Durante o ensaio técnico, realizado na Marquês de Sapucaí, no último domingo (3/4). Entre o intervalo de uma escola para outra, encontramos – eu e a repórter Suelen Martins – a carnavalesca Maria Augusta Rodrigues.
Sozinha, na pista do Setor 1, a senhora olhava a dispersão para além dos 700m de pista desenhados por Oscar Niemeyer. Talvez para além do concreto tangível. Augusta interrompeu a divagação quando chamamo-la: – Professora, a senhora pode dar uma palavrinha conosco? – À reverência, ela retribuiu com um sorriso discreto, típico de sua elegância, e conversou com os repórteres. A artista plástica exaltou as escolhas de Grande Rio e Mocidade:
“Esse ano temos muitos enredos defundamentação afro e acho isso muito importante. (…) Toda vez que as escolas trazem enredos com essa temática, (isso) vai trazendo mais conhecimento à população sobre o que se trata a cultura negra. Eu fico muito emocionada ao ver a Mocidade homenagear Oxóssi, isso é muito bonito. Exu já foi citado muitas vezes. Eu estive no barracão da Grande Rio e saí de lá maravilhada. (Igualmente espero) um grande ensaio com (a homenagem ao) Dono da Rua.” Ressaltou Maria.
Ostentando fios de conta afrorreligiosos sobre a pele clara. Sem intenção, este já era um código visual perfeito para ilustrar um de seus argumentos: “A miscigenação oque faz dos brasileiros, mais brasileiros.”
Augusta citou um exame realizado, de rastreamento genético que apontou que além da pele branca, ela tem 11.6% de sangue negro:
“Graças a Deus!” – além de 9.4% de sangue indígena”
Reconhecendo-se miscigenada, desapontou-se também por reconhecer que não há pleno respeito à pluralidade racial no Brasil:
“Somos resultados de uma mistura. Há muito preconceito, infelizmente.”
Esse conceito de “misturas”, para Augusta, vai muito além da questão étnica. Passa também pela questão artística. Ao assinar carnavais no Rio de Janeiro, emprestou seu saber acadêmico, da Escola de Belas Artes, associando-o com a singeleza do carnaval de Campos dos Goytacazes, sua terra natal. As lampadazinhas que encantaram a menina campista, somaram-se à plumária imaginada e realizada por Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona. O luxo e a opulência dos professores influenciaram a então moça, mas sua personalidade foi definitiva. Não faria um carnaval emplumado. Ao assinar seu primeiro desfile na União da Ilha do Governador, em 1976, trouxe fantasias “de carnaval” aos foliões da Cacuia. E todos os insulanos desfilaram pela Presidente Vargas vestindo-se como pierrôs, colombinas e arlequins em azul, vermelho e branco. Poderia ser uma homenagem ao carnaval singelo de seu passado, na cidade do interior do Rio, não fosse por um detalhe: O enredo era baseado na obra do poeta modernista Menotti del Picchia, especialmente no poema “Máscaras”.


Soma de referências. Mestiçagem artística que fez delirar a Presidente Vargas de encanto, com o mesmo quê de quebranto. Fascinação, feitiço e magia. Ela, que foi berço de bamba, santuário do samba das escolas e folia, deu uma característica à escola da Zona Norte: Que a alegria deve sempre ser maior que o luxo. Em seu último trabalho como carnavalesca, Augusta fez a Beija-Flor de Nilópolis. O casamento com a Soberana não deu muito certo. A opulenta escola da Baixada não soube se ver como um simples, porém belo, colibri.

“A mulher fascinação dos cabelos cor de Sol”, como dizia o samba que marcou sua estreia na escola da Ilha do Governador, tornou-se conhecida por dizer-se emocionada. Emoção de ver Exu e Oxóssi como protagonistas negros dum palco negro. Emoção por ter sido uma das mãos que costurou a bandeira tricolor insulana. Emoção de quem olha para a dispersão e imagina cores de um mundo de alegria que, tal como o tempo, não para. Emoção de listras brancas e azuis que bordou no chão – e na História – um arco-íris de luz.
Autor Vítor Antunes – Colaboração: Suelen Martins