“É como o voleio de um beija-flor em torno da rosa. Ele se aproxima, toca e sai. Volta a se aproximar, beija e sai. Nunca as ações serão idênticas. E a rosa, ao contrário do que se pensa, ao sabor do vento das asas do pássaro, não permanece passiva. Ela dança”.
A data de vinte e quatro de novembro é dedicada nacionalmente ao casal que tem por função primordial proteger e apresentar o pavilhão sagrado de cada escola de samba.
No contexto histórico, o aparecimento do casal de mestre-sala e porta-bandeira, está inteiramente unido à figura do porta-estandarte e do baliza, figuras respeitáveis das escolas de samba. O baliza na época, hoje transfigurado na figura do mestre-sala, tinha por principal função oferecer a proteção necessária a porta-estandarte para que ninguém atentasse contra a bandeira da agremiação, símbolo de grande valia para a escola de samba, uma vez que, em função das rivalidades existentes, o estandarte corria risco de ser subtraído por integrantes de outros coligações adversárias. Normalmente, no clímax da euforia, essa tentativa de roubo podia acontecer, quando as entidades carnavalescas se topavam, e os mestres-salas, desenvolvendo o bailado, descuidavam da proteção da porta-bandeira.
Subtrair o pavilhão de outro grupo servia na época como uma forma de troféu, e por isso a porta pavilhão muitas vezes era escoltada pelo melhor capoeirista da confraria, que além de vir dançando efetuava golpes de capoeira em cima de quem arriscasse se aproximar do pavilhão, sendo que muitas vezes portavam ainda navalhas, facas, e punhais, armas brancas usadas por esses grupos na época. Com o passar dos anos e mais calmaria nos centros, a navalha foi trocada pelo leque, a faca e punhal pelos lenços, mas os passos sambados e ágeis são sem dúvidas legado dos capoeiras arruaceiras do fim do período da escravidão.
Não é por outra razão que os primeiros porta-bandeiras eram homens, até mesmo quando as figuras foram unificadas pelas escolas de samba. Existem registros de que um dos primeiros porta-bandeiras de que se tem registro foi Ubaldo, da Portela. Por sua vez, Maria Adamastor foi uma das primeiras mestre-salas de que se tem registro.
Com a passagem do tempo, o desempenho dos balizas e porta-estandartes evoluiu para o giro da porta-bandeira acompanhada pelo gingado do mestre-sala. Uma hipótese histórica é de que essa modificação foi influenciada por danças rituais pré-nupciais das adolescentes africanas cortejadas pelos jovens guerreiros. Outra possível origem do formato atual é a dança encontrada nas festas populares e sepultamentos, em que as tribos eram identificadas por bandeiras coloridas.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira, em sua apresentação durante o desfile de cada agremiação carnavalesca, tornou-se um destaque de grande, se não de maior destaque e de maior responsabilidade para a agremiação que defende, pois estas duas pessoas podem vir a obter até 40 pontos, 10% do total das notas atribuídas ao desfile de uma entidade carnavalesca.
Foi no distante ano de 1938, que a fantasia do mestre-sala e da porta-bandeira passou a ser um quesito de julgamento no desfile das escolas de samba cariocas e somente a partir de 1958 é que o quesito passou a abranger a dança do casal.
Dentre os passos imprescindíveis estão os meneios, as meias-voltas, os giros completos, os torneados e as mesuras.
O bailar do mestre-sala e da porta-bandeira, nada mais é do que um cerimonial baseado na arte da conquista; evoluindo em torno da porta-bandeira, o mestre-sala exercita o oficio da conquista do seu par. Naqueles maneios, fugas e contrafugas, realiza a corte de sua paixão. Já a Porta-bandeira, sinuosa e sedutora, roda a bandeira e esquiva-se.
Mestre-sala e porta-bandeira jamais podem dar as costas um ao outro ao mesmo tempo. O mestre-sala precisa passar a impressão de que está protegendo a sua parceira, que por sua vez não pode jamais deixar a bandeira se enrolar no mastro ou bater em seu corpo. O mestre-sala não pode cair nem tocar o joelho no chão. os dois também perdem pontos se conversarem entre si.
A fantasia do casal deve ser das mais caprichadas da agremiação, tudo deve estar combinando, os cuidados com a confecção são redobrados, pois podem perder pontos caso um chapéu ou parte de sua indumentária caia na avenida.
Assim que se deu início a avaliação da dança do casal, muitas modificações e atenções especiais foram voltadas para esse quesito, como por exemplo: a medida apropriada da bandeira, o mastro da porta-bandeira que necessita ter 85 cm acima do braço levantado.
No carnaval carioca de 2014, no grupo A, a Unidos do Porto da Pedra trouxe o enredo intitulado “”Majestades do samba, os defensores do meu pavilhão”, clara homenagem aos casais de mestre-sala e porta-bandeira que de forma tão honrada defendem os pavilhões das escolas de samba. O enredo foi desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Valente, tendo a escola conquistado o 4º lugar.
“Óh! Majestades do samba e do meu pavilhão
No manto sagrado carregam a emoção
Rainha que herdou toda nobreza
E a sutileza que dos bailes despontou
Mesmo com as marcas que a dura vida traz
O seu encanto não se desfaz
O gingado dessa raça, o meu rei guerreiro tem
Cultuado nas senzalas, herança dos ancestrais
É essência da mãe África, terra dos seus orixás… “
(autores Bira, Marcio Rangel, Wilson Bizzar, Eric Costa, Alexandre Villela e Duda SG)
Por Sidnei Louro Jorge Júnior