Primeira escola a pisar na Sapucaí nos ensaios técnicos do ultimo Domingo (04/04), a Mocidade Independe de Padre Miguel defendeu suas raízes neste enredo que dialoga muito com os seus próprios fundamentos. Talvez por conta disto, a escola optou por fazer o esquenta com “Ziriguidum 2001”, samba histórico da agremiação da Zona Oeste, que, em 1985 foi interpretado por Ney Vianna. Na véspera do ensaio técnico, dia 02, portanto, Vianna completaria 80 ano.

O hino Independente de 2022 fez inventar um novo verbo: O “areretizar”. Um de seus autores, Diego Nicolau, em depoimento ao CN1, falou da emoção que tem em assinar um samba tão potente e que diz muito àquela comunidade:

“É um momento ímpar! Principalmente (por ser um desfile que acontece) depois da gente ter se despedido da saudosa Elza Soares. (…) Esse samba é um grande resgate à nossa ancestralidade.” – Afirmou o compositor, que disse haver se divertido com a proposta oriunda das redes sociais da Mocidade em transformar o ensaio técnico no LollaMacoomba, trocadilho com o festival LollaPalooza, encerrado na semana anterior. Emoção semelhante relata Wander Pires, o intérprete:
“Pisar aqui foi muito emocionante. Poder retornar (à Sapucaí) prova que a gente venceu (a pandemia), rompemos uma barreira e no desfile oficial vamos fortalecer isso. Esse é um samba de muita força. Os compositores foram muito felizes (na escrita), assim como a diretoria foi muito acertada em havê-lo escolhido. Estou muito feliz!”

A coreógrafa do casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da agremiação, Vânia Reis, tal qual Wander, também destacou os anos pandêmicos e as perdas de ícones Independentes: “Foi um ano muito difícil. Estar hoje pisando aqui é uma emoção única, num enredo que é a cara da nossa bateria, (segmento que é) o coração da escola. Estamos muito emocionados, por defender esse enredo que é ‘muito Mocidade’. Bruna, a Primeira Porta Bandeira, afirmou que o casal trará uma dança menos contemporânea e fez uma revelação: “Vamos trazer uma dança tradicional e apresentaremos a coreografia oficial. Até porque hoje e o dia de ajustes, de erros e acertos”. Segundo o Mestre-Sala, o trabalho foi contínuo “Nesse tempo todo parado a gente nunca deixou de trabalhar, embora nesses últimos meses o trabalho tenha sido mais intensivo. Graças a Deus estamos voltando ao normal”. Certa do bom trabalho junto aos seus pupilos, Vânia Reis é ambiciosa: “Espero o título e os 50 pontos”.

Ainda no campo coreográfico, Saulo Finelon, responsável pela Comissão de Frente, afirmou: “A escola está vindo em um caminho certo de enredos, a gente tem feito um trabalho bacana e estamos muito felizes com o trabalho desse ano também. Vamos ter um espetáculo completo, podem esperar. (…) A comissão é um espetáculo completo”. Desmentindo a tradição que enredo afro não casa com modernidade, Finelon garantiu surpresas high-tech: “Vai ter de tudo um pouco e terá tecnologia sim! “

Citado na sinopse e um importante nome da história da Mocidade, Quirino da Cuíca conseguiu transmitir o seu legado para o seu neto, Eryck. “Vamos começar após dois anos ensinando, com um enredo muito esperado pela escola, onde se fala de todo mundo que fez parte da escola até aqui, sobre o padroeiro da escola. É uma hora tremenda, poder estar representando uma terceira geração de uma família que fez tanto por essa escola. Estar hoje aqui é emocionante! O enredo vem homenageando não só o meu avô, mas todos os filhos de Oxóssi desta bateria: Tiãozinho, Orozimbo, Mestre André… A ancestralidade ela mora aqui, ela mora dentro da bateria. É muito importante quando a escola se dobra e fala dos seus. Quando exaltamos a memória dos “mais velhos” a gente vai mantendo o legado do que foi construído lám em 1950 (e um desses nomes é) do grande mestre Quirino da Cui

No que tange à plástica e à narrativa, o carnavalesco Fábio Ricardo ambiciona contar sobre o orixá sob uma outra ótica: “Considerando que Oxóssi é o padroeiro da escola, ele, a bateria, a história da agremiação se fundem e formam um trio que ajudam a contar essa história”. Sem trazer um enredo afro desde 1976, quando Mãe Menininha do Gantois foi o tema de seu cortejo, a Mocidade, seguindo Ricardo, pedia uma temática africana. O artista plástico disse ter tomado o cuidado de não fazer um enredo que ele chama de afro-brasileiro, ou seja, um enredo onde a abordagem da religiosidade africana não passa por influências brasileiras. É uma abordagem matricial, de raiz. Segue o carnavalesco dizendo que até o terceiro setor a escola abordará a história documentada de Oxóssi, e que a narrativa iniciará no Reino de Ala Ketu e até o terceiro setor abordará esta temática, que só será fechada no terceiro setor da escola, com a destruição daquele reino, a diáspora africana e a chegada dos negros oriundos de Ketu ao Brasil. O carnavalesco relata que a escola encerrará seu desfile falando dos mestres da bateria da escola. Sobre como virá plasticamente a escola, Ricardo preferiu guardar segredo: “O desfile vai ter a cara do Fábio Ricardo e a cara da Mocidade”.

Nascida num terreiro de candomblé, a Mocidade olha não só para o seu padroeiro. Toca o agueré, percute-o em sua bateria, põe o orixá guerreiro à frente e sua comunidade compondo seu batalhão. Só a Mocidade para transformar a Sapucaí, ou a rua Guilherme da Silveira, em Bangu, numa mata profunda e fazer dali um palco de guerra onde só se poder morrer de amor. Para esta gente, independente na identidade, a Estrela Guia é célula viva que corre nas suas veias. É Luz que brilha no ventre. É a raiz dos seus descendentes.
Vítor Antunes e Suelen Martins