A Devoção do Sambista à São Jorge Guerreiro

 

Quase todo sambista de verdade, com raras exceções é devoto de São Jorge, prova disso é o número incalculável de agremiações carnavalescas que tem São Jorge como seu padroeiro e as muitas vezes que o santo atravessou as pistas de desfile como enredo principal, ou mesmo como coadjuvante em outros temas apresentados.

Qual sambista não carrega consigo pelo menos uma medalha de São Jorge no peito?

Todos os anos, no dia 23 de abril, muitas homenagens são prestadas nas quadras das escolas de samba ao santo, através da realização de alvoradas festivas, missas, feijoadas ou mesmo carreatas, onde a imagem do santo guerreiro é o destaque principal de todas as manifestações.

São Jorge é frequentemente descrito vestido com uma armadura de metal, que representa a força da fé em vencer os inimigos e uma lança ou espada que representa as armas interiores para combater os problemas. O cavalo branco representa a pureza indomada da fé em Deus e em si próprio, enquanto a capa vermelha é a força e a autoconfiança para vencer na vida e os obstáculos. O dragão, por sua vez, simboliza todos e qualquer inimigo e problemas a serem enfrentados.

São Jorge é o patrono da Inglaterra, Portugal e Grécia.

A primeira escola de samba do Brasil, a carioca Estácio de Sá é um exemplo de agremiação que tem São Jorge como padroeiro, tendo a imagem do santo passado pela Sapucaí com a escola em mais de um carnaval, inclusive como tema principal, assim como aconteceu no carnaval carioca de 2016, quando o enredo “Salve Jorge! O guerreiro na fé”, trabalho desenvolvido pelos carnavalescos Amauri Santos, Tarcisio Zanon e Chico Spinoza.

Nesse carnaval carioca de 2016 a Estácio de Sá vinha de um campeonato no ano anterior, no grupo de acesso, daí todo o empenho da escola que havia sido promovia no ano anterior, era de manter-se no grupo de elite das escolas de samba do Rio, situação esta que acabou não se concretizando.

Toda a devoção do desfilante da Estácio ficou muito clara neste desfile, desde a comissão de frente, onde a luta do santo contra o dragão da maldade foi encenada, havendo um elemento alegórico com uma grande escultura articulada de São Jorge e seu cavalo branco já na cabeça da escola.

O que se sabe sobre a vida de Jorge na Capadócia passou pela Sapucaí nesse desfile da Estácio de Sá, onde o sagrado e o profano encontaram-se tantas vezes no passado e ainda hão de se encontrar por muitos carnavais ainda.

Mesmo apresentando um grande desfile, apreciado especialmente pelos devotos de São Jorge, a Estácio de Sá não teve fôlego para permanecer no grupo de elite das escolas cariocas, tendo ficado com o décimo segundo lugar e voltado a desfilar no grupo de acesso no carnaval seguinte, onde ficou até o carnaval de 2019.

Na quadra da Estácio de Sá há inclusive uma imagem de São jorge sempre muito reverenciada por todos nos eventos da escola, sendo um dos pontos altos do calendário anual da escola a tradicional feijoada que comemora o 23 de abril, sempre com alvorada festiva e missa.

 

Pelos lados de São Paulo, São Jorge já cruzou o Anhembi em várias oportunidades, visto ser o santo padroeiro de várias agremiações paulistas, dentre as quais está a Acadêmicos do Tatuapé, que no carnaval paulista de 2014 apresentou o enredo “Poder, fé e devoção. São Jorge Guerreiro” do carnavalesco Mauro Xuxa.

Nesse carnaval a agremiação trouxe Wander Pires, tradicional intérprete do carnaval carioca para fortalecer seu carro de som, para fazer dupla de cantores com Vaguinho. Outro destaque desse desfile foi que a bateria da Tatuapé foi a única a tirar todas as notas máximas desse quesito.

Coube à Tatuapé fechar o desfile das escolas paulistas naquele ano, com enredo onde tinha como intenção contar a história do santo e o motivo dele ter se tornado tão popular em todo o território brasileiro.

À frente da escola, assim como já é tradicional, a madrinha da agremiação, a cantora Leci Brandão, vinha como que benzendo a avenida e abrindo os caminhos para a escola passar, empunhando uma pequena espada, à exemplo do santo guerreiro quando guerreava com o dragão no solo lunar.

A escola falou sobre a devoção pelo santo e mostrou o sincretismo religioso entre o catolicismo e a umbanda.

Esse foi um desfile com alegorias e fantasias inspiradas na devoção e história do santo que, montado em um cavalo, derrotou um dragão. Na pista do Anhembi a escola encenou passagens como a passagem de Jorge por sua histórica chefia na cavalaria do Império Romano na Capadócia, Turquia.

No carro abre-alas da escola, que era de grandes proporções, havia a narrativa de três cenas marcantes na biografia de São Jorge, de sua passagem pelo exército até sua morte pelo imperador.

Em formato de procissão, uma imagem do santo foi carregada pelo Anhembi por integrantes da agremiação.

Um dos carros mais bonitos da escola reproduzia a luta de São Jorge com o dragão. A alegoria que fechou o carnaval paulistano selava o futuro do guerreiro, que virou santo e guardião da Lua.

O samba da Tatuapé foi outro ponto alto do desfile da agremiação, de autoria dos compositores Márcio André, Márcio André Filho e Vaguinho.

 

 

Com um belo desfile, a escola foi apontada como uma das favoritas ao título, chegou a liderar a apuração até o sexto quesito, mas acabou em 6° lugar.

No carnaval carioca de 2016, foi mais uma oportunidade do Império Serrano trazer para a Sapucaí uma bela escultura de São Jorge, para ilustrar o enredo “Silas Canta Serrinha”, do carnavalesco Severo Luzardo.

O desfile da comunidade da Serrinha foi realizado em comemoração ao centenário do compositor Silas de Oliveira, que narrava o enredo e contava a história do Morro da Serrinha e do próprio Império Serrano e assim sendo não teria como deixar de fora a figura do Santo Guerreiro, santo padroeiro da escola e sempre muito presente em vários desfiles da escola, além de muito reverenciado logo na entrada da quadra da agremiação, com uma imagem em lugar de destaque.

O samba-enredo do ano foi composto por Aluízio Machado, Andinho Samara, Arlindo Cruz, Arlindo Neto, Lucas Donato e Zé Gloria.

A agremiação foi a quarta escola a entrar na pista de desfile no sábado de carnaval, causando impacto os vestidos verdes utilizados pelos dançarinos na comissão de frente já na entrada da agremiação.

Destaque para a última alegoria onde desfilaram familiares de Silas de Oliveira, Tia Maria do Jongo e a atriz Myriam Pérsia, tradicional personagem da escola com muitos anos nos desfiles da escola.

O Império recebeu os prêmios Estandarte de Ouro, Tamborim de Ouro e Troféu Jorge Lafond de melhor escola da Série A. Comissão de frente, ala das baianas e ala de passistas também receberam prêmios por seus maravilhosos desempenhos no desfile.

 

Mesmo muito premiada em diversos segmentos, O Império Serrano conquistou apenas a quarta colocação da segunda divisão do carnaval carioca, não conseguindo desta forma voltar para o grupo de elite do Rio.

Outra agremiação carioca que muito reverencia a figura de São Jorge é a Deusa da Passarela, a Beija Flor de Nilópolis, que no 23 de abril, tradicionalmente realiza uma alvorada festiva com queima de fogos em homenagem ao santo na quadra da escola e a tardinha deste dia realiza uma missa que reúne a comunidade nilopolitana para um momento de reza e agradecimento, especialmente dedicado à São Jorge.

Na área não coberta da quadra da escola em Nilópolis, existe uma grande escultura do santo, onde na frente deste baila o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da agremiação em dias de ensaio aberto, como uma forma de agradecimento e pedido de proteção ao santo guerreiro, momento este sempre muito cheio de simbolismo e emoção.

 

No barracão da escola, na Cidade do Samba carioca, também há uma imagem de São Jorge, para que os funcionários e demais frequentadores do local possam rezar e prestar suas homenagens ao padroeiro da agremiação nilopolitana.

 

Dentre as aparições de São Jorge nos desfiles da Beija Flor de Nilópolis, destaque para o carnaval carioca de 2013, quando a escola alcançou um vice campeonato com o tema de enredo “Amigo fiel – Do Cavalo do Amanhecer ao Mangalarga Marchador” desenvolvido pela comissão de carnaval da agremiação azul e branco.

Na comissão de frente apresentada nesse desfile, a escola trouxe a figura de São Jorge, com destaque para o elemento alegórico que seguia esta comissão, com a figura de um grande dragão, que compunha a coreografia que foi apresentada pelo grupo de integrantes da comissão de frente.

A devoção a São Jorge cresceu no Brasil pelos escravos que, proibidos de adorar seus Orixás, passaram então a fazer seus pedidos, cultos e rituais fora das igrejas, associando a imagem de São Jorge a Ogum. De gênio impaciente e determinado, este Orixá usa a espada para abrir seus caminhos e derrotar seus inimigos.

Se formos então falar na figura de São Jorge associada à Ogum, pelo sincretismo religioso, os enredos das escolas de samba multiplicam-se muito em sua quantidade, já que as religiões de matriz africana e seus orixás são muito explorados no carnaval, como ótimos temas à serem apresentados.

Na Renascer de Jacarepaguá, integrante do grupo de acesso do carnaval carioca, em seu desfile de 2019, com o enredo “Dois de fevereiro no Rio Vermelho” dos carnavalescos Raphael Torres e Alexandre Rangel, Ogum foi um dos orixás que compuseram o desfile da agremiação.
O desfile rendeu à agremiação um sétimo lugar, situação que não lhe possibilitou a ascensão à elite das escolas de samba cariocas.

A importância e a imensa quantidade de devotos do santo guerreiro é tão significativa que no ano de 2019, no SESC Madureira foi montada a exposição “Caminhos de Ogum”, com o objetivo de homenagear o dia do santo guerreiro, onde doze artistas mostraram seu olhar sobre São Jorge: estética e identidade no subúrbio carioca, com obras inspiradas na presença do Orixá, já que para todo o carioca, a figura de São Jorge é conhecida independentemente da fé e de religião.

Exposições como estas são frequentes com a imagem do santo guerreiro servindo como protagonista para que vários artistas plásticos mostrem seu talento e técnica.

 

“…Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge

Para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem,

Tendo mãos não me peguem,

Tendo olhos não me vejam,

E nem em pensamentos eles possam me fazer mal.

Armas de fogo o meu corpo não alcançarão…”

(Trecho da Oração de São Jorge)

 

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Por Sidnei Louro Jorge Júnior

 

 

 

 

 

 

 

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