Dia 2 de fevereiro é dia de festa no mar, como muito bem compôs e cantou o inesquecível Dorival Caymmi, em sua famosa homenagem à Iemanjá.
O dois de fevereiro é a data de se reverenciar Iemanjá, especialmente na Bahia, ocasião quando uma multidão de fiéis se dirige ao Bairro do Rio Vermelho para deixar suas oferendas à Rainha do Mar, festividade está também muito festejada no Rio Grande do Sul e outros estados brasileiros, uma vez que em muitos outros locais a orixá é festejada na virado do ano.
O costume de cultuar Iemanjá foi trazido para o nosso país pelos povos de origem iorubá, em fins do século XVIII até quase metade do século XIX. No continente africano, Iemanjá é divindade das águas doces, cultuada à beira do Rio Ogum. No nosso país, o culto à orixá mudou para o mar, visto que rios e cachoeiras foram atribuídos a Oxum.
Com o sincretismo religioso, que ocorreu de forma diferente em diversos locais do nosso país, nos estados de São Paulo e em Pernambuco, por exemplo, Iemanjá foi associada à Nossa Senhora da Conceição e, por esta razão, suas homenagens acontecem na data de 8 de dezembro. Já na Bahia, a orixá ficou associada à Nossa Senhora das Candeias, celebrada em 2 de fevereiro e no Rio Grande do Sul Iemanjá ficou sincretizada com Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira da capital dos gaúchos.
Nos dois principais carnavais do Brasil, com desfiles de escolas de samba, que acontecem nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, a figura de Iemanjá já atravessou as pistas de desfile em várias oportunidades, nas mais diversas agremiações carnavalescas, do grupo principal das escolas de samba, ou mesmo nos grupos de acesso. A representação da orixá já atravessou as pistas de desfile no carnaval em suas mais variadas formas, sempre com a predominância das cores azul, branco e prata sem contudo nunca deixar de fora a vaidade de Iemanjá, através do espelho em que se olha e das rosas brancas, com as quais é homenageada.
No caso do carnaval da Cidade Maravilhosa, a representação de Iemanjá remonta aos desfiles anteriores à inauguração do sambódromo da Marquês de Sapucaí, tanto em belas esculturas nas alegorias das agremiações carnavalescas, como em belos sambas que embalaram grandes e inesquecíveis desfiles.
Mesmo que as escolas de samba sejam organizações essencialmente negras, sabe-se muito bem que no início essas agremiações por vários motivos, apresentavam enredos exaltando a história brasileira, sob a ótica do branco colonizador. Os registros indicam que foi somente no carnaval de 1966 que aconteceu da citação de um orixá nem samba enredo, justamente uma citação à Iemanjá, no samba que embalou o desfile do Império Serrano, no enredo “Glórias e Graças da Bahia”.
“…Bahia, Bahia
Terra do Salvador
Iaô, iaô, iaô
Gegê, nagô, gegê, nagô
Saravá, saravá
Yerê, yerê de abê ocutá
Em louvor à rainha do mar
Iemanjá, Iemanjá…”
(Trecho do samba do Império Serrano -Carnaval Carioca de 1966)
O Acadêmicos do Salgueiro no carnaval de 1969, trouxe o enredo “Bahia de todos os deuses”, enredo este idealizado por Fernando Pamplona, tendo construído este desfile juntamente com Arlindo Rodrigues.
Nesse desfile salgueirense vitorioso, o carro abre-alas trazia uma grande escultura de Iemanjá, toda recoberta de espelho, material até aquela época pouco utilizado nos desfiles das escolas de samba. Existem relatos daquela época de que a luz do sol refletida na escultura espelhada, causou grande efeito visual.
Essa Iemanjá salgueirense de 1969 acabou sendo homenageada com a vestimenta da ala de baianas da escola no carnaval do Rio de Janeiro de 2019, cinquenta anos depois, além da representação da orixá através de uma bela escultura numa alegoria da escola.
Posteriormente no carnaval carioca de 1976, o Império Serrano com o enredo “A Lenda das Sereias, Rainhas do Mar” do carnavalesco Fernando Pinto, enredo este posteriormente reeditado no carnaval de 2009 pela carnavalesca Márcia Lage, houve destaque para a figura de Iemanjá nesses desfiles, não sendo porém desfiles que tenham sido vitoriosos em nenhuma de suas edições.
No carnaval de 1978 o Acadêmicos do Salgueiro trouxe o enredo “Do Yorubá à luz, a aurora dos deuses” do carnavalesco Fernando Pamplona e de novo havia no desfile uma escultura de Iemanjá, na versão negra.
Ainda falando-se de Império Serrano, no seu campeonato de 1982 com o enredo “Bumbum Paticumbum Prugurundum”, das carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, houve uma homenagem a Iemanjá apresentada pelo Salgueiro no carnaval de 1969, com a citação no samba enredo “Iemanjá enriquecendo o visual”.
Também nesse carnaval de 1982 a Mangueira trouxe uma representação de Iemanjá dentro do desfile com o enredo “As mil e uma noites cariocas” do carnavalesco Fernando Pinto.
No carnaval carioca de 1986 havia a menção a Iemanjá no samba do Acadêmicos do Salgueiro, no enredo da escola em homenagem ao pai de todos os carnavalescos, Fernando Pamplona.
Em seu desfile de 1988 a Beija Flor de Nilópolis, sob a batuta do mestre Joãosinho Trinta em seu desfile fez um paralelo entre os deuses do antigo Egito e os orixás, havendo neste desfile uma alegoria com referência a Iemanjá fazendo um paralelo entre ela e a deusa egípcia Ísis.
No carnaval carioca de 1989, o Salgueiro em sua segunda alegoria, representando um navio negreiro, referência ao desfile da escola do ano de 1957, havia uma escultura prateada de Iemanjá à frente do carro.
Bicampeã no carnaval carioca de 1991 com o enredo “Chuê, chuá, as águas vão rolar” dos carnavalescos Renato Lage e Lilian Rabello, a Mocidade Independente de Padre Miguel trouxe uma belíssima representação de Iemanjá numa alegoria até hoje lembrada pela beleza de suas formas.
A Tradição em seu desfile de 1992, trouxe a representação de Iemanjá dentro da apresentação do enredo “O espetáculo maior… as flores” do carnavalesco Jorge Luiz Vilela.
No carnaval de 1994 coube a Grande Rio desenvolver o enredo “Os santos que a África não viu” do carnavalesco Lucas Pinto e com este enredo não haveria como deixar Iemanjá de fora da narrativa apresentada pela agremiação de Duque de Caxias.
Já sob a batuta do carnavalesco Orlando Júnior em 2002 a Tradição apresenta o enredo “Os Encantos da Costa do Sol”, terminando este desfile com a figura de Iemanjá na última alegoria da escola.
Muito conhecida pelos enredos africanos e a representação do culto dos orixás, a Beija Flor de Nilópolis já trouxe representações de Iemanjá em vários de seus desfiles na Marquês de Sapucaí, sendo marcantes as representações da orixá das águas salgadas dos carnavais da Deusa da Passarela dos anos de 2007, 2011 e mais recente no desfile da escola de 2020.
Nos desfiles de 2012 no Rio de Janeiro, a representação da orixá esteve presente no desfile da Portela, que apresentou o enredo “…E o povo na rua cantando… É feito uma reza, um ritual… ” do carnavalesco Paulo Menezes e também no desfile apresentado pela Imperatriz Leopoldinense que cantou a vida e obra do escritor Jorge Amado sob a batuta do carnavalesco Max Lopes.
Em 2014 a Unidos de Vila Isabel trouxe Iemanjá em seu carro abre alas, em sua versão negra para apresentação do enredo “Retratos de um Brasil plural” do carnavalesco Cid Carvalho.
A Estação Primeira de Mangueira foi outra agremiação carioca que recentemente, em mais de um desfile da escola, trouxe esculturas em representação de Iemanjá. Assim foi no carnaval da verde e rosa de 2014, sob a batuta de Rosa Magalhães com o enredo “A festança brasileira cai no samba da Mangueira” e no desfile de 2017 com o enredo “Só com a ajuda do santo” já com o carnavalesco Leandro Vieira.
No ensaio técnico da Mangueira para seu desfile de 2014, a escola trouxe imagem de Iemanjá logo a frente da escola como forma de pedir a proteção da Rainha do Mar ao mesmo tempo que a homenageava.
Na reedição do enredo “Oferendas” no carnaval carioca de 2019, a Unidos da Ponte lembrou o oferecimento de rosas brancas à Iemanjá em seu desfile, como forma de homenagear a orixá, que foi representada em uma alegoria da escola, com, predominância das cores azul e prata.
A festa a Iemanjá que acontece no bairro do Rio Vermelho em Salvador foi o enredo da Renascer de Jacarepaguá desfilando no grupo de acesso no carnaval carioca de 2019 quando apresentou o enredo “Dois de fevereiro no Rio Vermelho”. Nesse desfile da Renascer, Iemanjá já era representada desde a comissão de frente da agremiação carioca, como um grande tributo à orixá das águas salgadas.
Na passarela do Anhembi na capital paulista, Iemanjá também já passou em várias agremiações de lá, em belíssimas alegorias e esculturas, com destaque para o desfile da Mocidade Alegre de 2020, quando a escola usou o poder das mulheres e dos orixás femininos no seu desfile, com o enredo “Do canto das Yabás renasce uma nova morada”.
Ainda no Anhembi no carnaval de 2018 a Nenê de Vila Matilde, desfilando no grupo de acesso, apresentou o enredo “A Epopeia de uma Deusa Africana” do carnavalesco Lucas Pinto, com foco na figura de Iemanjá.
No carnaval paulista de 2014 a Águia de Ouro prestou uma homenagem ao cantor e compositor Dorival Caymmi em seu enredo e logo no abre alas da escola havia uma bela escultura representando a rainha das águas salgadas.
Dos maiores desfiles da capital paulista não teríamos como deixar de fora a Sociedade Rosas de Ouro em seu desfile de 2005 com o enredo “Mar de Rosas” do carnavalesco Fábio Borges, onde o samba de autoria dos compositores fazia citação à Iemanjá, além de uma bela e grandiosa escultura que fechava o desfile da escola da orixá.
“…Um mar de rosas
De ouro pra entregar
Iemanjá …
Abra os caminhos,
Minha escola vai passar…”
(Trecho do samba enredo da Sociedade Rosas de Ouro – Carnaval de 2005)
Por fim importante que se diga que outras representações e citações à Iemanjá nos desfiles das escolas de samba do eixo Rio – São Paulo aconteceram, não se resumindo aquelas que foram aqui apresentadas.
Odoya Iemanjá!