A história do Rio de Janeiro contada por sambas-enredos

O samba-enredo ainda é marca do carnaval carioca e, não à toa, foi declarado patrimônio imaterial do Rio de Janeiro, em 2016. Além de animação e cadência, o gênero traz história. Algumas letras permitem passear pela memória da cidade e do país, em versos cheios de poesia, crítica e informação.

A história começa a ser contada antes mesmo da fundação do Rio. Em 1555, franceses chefiados por Nicolás Durand de Villegagnon aportaram na Baía de Guanabara a fim de instalar um núcleo colonial, a França Antártica. Lá, construíram o Forte de Coligny, que viria a ser destruído em 1560, em uma expedição comandada por Mem de Sá. O episódio foi enredo da escola de samba Acadêmicos da Rocinha em 2000, O sonho da França Antártica de Villegagnon.

A expulsão dos franceses só seria efetivada em 1567, dois anos depois de Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, fundar a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. E, quando a cidade comemorou 400 anos, em 1965, o feito e a trajetória de Estácio foram relembrados por algumas agremiações, como a Mocidade Independente de Padre Miguel (Parabéns pra você, Rio 4º centenário), a Imperatriz Leopoldinense (Homenagem ao Brasil no IV centenário do Rio de Janeiro) e a Portela (Histórias e tradições do Rio quatrocentão, do Morro Cara de Cão à Praça Onze).

Acervo Portelense (Destaques em 1965)

As benfeitorias realizadas durante o período em que o militar português Gomes Freire governou a Capitania do Rio de Janeiro (1733-1763) foram tema da Imperatriz Leopoldinense em 1962 (Rio no século XVIII, apoteose a Carlos Gomes de Andrade, O conde de Bobadela). Na gestão de Gomes Freire, foi inaugurada a primeira tipografia do Brasil (1747), por um impressor de Lisboa chamado Antonio Isidoro da Fonseca, a convite do governante – mas logo fechada por ordem da Coroa Portuguesa; foram construídos o Convento de Santa Teresa (1750) – local em que foi sepultado – e a Casa dos Governadores (1738-1743), atual Paço Imperial – onde Freire morou por anos. Também no mesmo período, houve a reconstrução do Aqueduto da Carioca, os Arcos da Lapa (1750), em substituição aos arcos dos tempos de Aires de Saldanha. Em reconhecimento a esses e outros serviços prestados, ele recebeu o título de Conde de Bobadela – e a homenagem da escola de Ramos.

Na Antiguidade de duzentos anos atrás
Veio dirigir esta beldade
O magistral remodelador da nossa formosa cidade
O eminente Gomes Freire de Andrada

Por volta de 1760, as primeiras mudas de café chegaram ao Rio de Janeiro, e seu cultivo logo despontou como uma atividade econômica promissora. O plantio começou na região da Lapa e de Santa Teresa, mas, já no início do século XIX, o lugar onde mais se plantava café, no Brasil, era a Tijuca, especificamente em fazendas localizadas em torno da Floresta. O Acadêmicos do Salgueiro, em 1992, apostou no enredo O negro que virou ouro nas terras do Salgueiro, referência ao “negro valente que transformou em ouro os grãos de nosso solo”, como justificou a escola tijucana.

Acadêmicos do Salgueiro 1992

Em 1808, a chegada da família real portuguesa ao Brasil transformou a cidade do Rio de Janeiro. Foram construídos chafarizes para o abastecimento de água, pontes e calçadas; abriram-se ruas e estradas; instalou-se a iluminação pública etc. No carnaval de 2008, diversas escolas apostaram em enredos comemorativos dos 200 anos da chegada da Corte, como a Mocidade e a São Clemente, que em O clemente João VI no Rio: a redescoberta do Brasil cantava “O reino então se mudou, Meu Rio se transformou
Num grande centro de Real beleza

São Clemente 2008

A fundação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ainda em 1808, foi lembrado pela Unidos da Tijuca em 1997, no refrão: “Jardim Botânico eu sou/ História viva de amor/ Eu sou o tema/ E a Tijuca é multicor”; e também a Abertura dos Portos, cantada em 2001 pelo Império Serrano (O Rio corre para o mar).

Império Serrano 2001

Em 1822, após receber abaixo-assinado com oito mil assinaturas, o príncipe D. Pedro recusou-se a obedecer à ordem de retornar a Portugal, decidindo permanecer no Rio. O episódio ficou conhecido como o Dia do Fico e foi tema da Beija-flor de Nilópolis em 1962. A Independência foi formalizada com o grito do Ipiranga, em 7 de setembro do mesmo ano, como contou o Império Serrano em 1961 (Movimentos revolucionários e Independência do Brasil).

Em 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão dos negros no Brasil. No entanto, para que essa liberdade fosse de fato conquistada houve muita luta. E, cem anos após o episódio, a Estação Primeira de Mangueira questionou se fora tudo ilusão, no belíssimo enredo Cem Anos de liberdade, realidade ou ilusão? e Paraíso do Tuiuti em 2018.

A data também foi relembrada – e eternizada – nos versos da Imperatriz de 1989

Liberdade, liberdade, Abra as asas sobre nós
E que a voz da igualdade, Seja sempre a nossa voz”.

No ano seguinte à assinatura da Lei Áurea, outro fato marcaria a história da cidade: o último baile do regime monárquico brasileiro, realizado na Ilha Fiscal, menos de uma semana antes da Proclamação da República. O evento foi tema do Império Serrano em 1953. A história continuou a ser contada pela Unidos da Tijuca em 1949 (Proclamação da República).

O último baile realizado na Ilha Fiscal marcaria o fim da Monarquia

Nos primeiros anos do século XX, a imagem da capital federal precisava ser reconstruída e transformada em símbolo da modernidade. Sob o comando do engenheiro Francisco Pereira Passos e com inspiração no modelo de arquitetura e urbanismo francês, a cidade se transformou em um imenso canteiro de obras, no que foi denominado na época como o “bota-abaixo”. Período ilustrado em “Cidade Maravilhosa, o sonho de Pereira Passos“, Carnaval 1997 da União da Ilha do Governador.

Na gestão de Pereira Passos o Rio de Janeiro seria pincelado como a Paris Tropical

A Ditadura (1964 – 1985) também influenciou as composições, fosse em abordagens críticas e de resistência ou exaltando e fortalecendo o regime. Órgãos de censura controlavam o que era produzido e até mesmo monitoravam ensaios de escolas de samba, caso do Salgueiro em 1967, cujo enredo, A história da liberdade no Brasil, exaltava lutas populares. Em 1969, um ano depois do AI-5, o Império Serrano teve que substituir a palavra “revolução” por “evolução”, em um dos sambas mais lindos de todos os tempos, Heróis da Liberdade.

Império Serrano 1969

Em 1980, a Vila Isabel também clamava por liberdade em Sonho de um sonho.

Um sorriso sem fúria, entre o réu e o juiz
A clemência e ternura por amor da clausura
A prisão sem tortura, inocência feliz
Ai, meu Deus
Falso sonho que eu sonhava

Por outro lado, alguns sambas exaltaram o governo da época. Foi o caso, por exemplo, da Imperatriz, em 1972; e dos enredos absurdos da Beija-Flor, em 1974 e 1975.

A fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro concretizou-se durante a ditadura militar, em 1975. A partir daí, a Guanabara tornou-se um município do atual estado. Por motivos diversos, essa união sofria resistência – sentimento que deu o tom do Império Serrano em 1988, no samba Para com isto, dá cá o meu.

Em 15 de março de 1975, Guanabara e Rio se transformaram num único estado

Tantos outros sambas exaltaram as belezas naturais do Rio de Janeiro e personagens importantes para a cidade e o país, relembrando um passado de quem não só tem, como fez história.

Salgueiro 2008

O Salgueiro deu uma bela passeada na história da cidade em duas ocasiões, 1994 e 2008. Em 2015, cheio de poesia, o enredo ImaginaRio, 450 janeiros de uma cidade surreal, da Portela, celebrou o aniversário da Cidade Maravilhosa.

Portela 2015

Fontes Site de História do Brasil – MultiRio

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