O ANJO BARROCO
Cenógrafo e figurinista, Arlindo Rodrigues mandava pintar com cuidado os manequins dos carros, ainda que mais tarde os cobrisse com fantasias. Ninguém notaria a pintura mas sua relação com os figurinos e as alegorias que criava era assim: íntima e pessoal, como se fossem bibelôs para apreciar em casa.
Nascido no dia em 1931, Arlindo começou no Theatro Municipal, em 1957. A paixão pelas artes plásticas vem desse ano, quando começou a estudar as técnicas de cenografia com Fernando Pamplona. Seu primeiro trabalho foi uma ópera, “Il tabarro”, vindo em seguida “Hora espanhola” e “La bohème”, entre outras.
Mas Arlindo brilhou mesmo foi no carnaval carioca, que muito deve a ele. Várias escolas de samba sentiram o sabor da vitória por causa de seus trabalhos, sempre inovadores. Seguindo o caminho de Pamplona, começou no Salgueiro, em 1960, desenvolvendo (sozinho ou em parceria) os enredos “Xica da Silva” (1963), “História do carnaval carioca” (1965), “Bahia de todos os deuses” (1969) e “Festa para um rei negro” (1971), e por lá ficou durante 12 anos.
Arlindo Rodrigues se lançou como carnavalesco e autor de enredos após trabalhar como figurinista. Em 1962, trouxe para avenida “O Descobrimento do Brasil”, inspirado no espetáculo encenado pelo corpo de Theatro Municipal e na obra do maestro Heitor Villa-Lobos. Em 1963, após pesquisas pelo interior de Minas Gerais, Arlindo surpreendeu a todos os salgueirenses e sambistas ao falar de uma personagem que alguns nunca tinham ouvido falar: Xica da Silva. E com esse enredo deu à escola da Tijuca a sua primeira vitória isolada no desfile das escolas do Rio, em 1963, trazendo figurinos impecáveis, bom gosto e um luxo até então inéditos na avenida. Em 1960, o Salgueiro conquistara o título, dividido com outras escolas, com “Quilombo dos Palmares”, de Fernando Pamplona.
Em 1974, já na Mocidade Independente de Padre Miguel, Arlindo Rodrigues deslumbrou o público com a “Festa do Divino”. A consagração veio em 1979, com “O Descobrimento do Brasil”. Depois, foi para a Imperatriz Leopoldinense, onde foi bicampeão em 1980 (“O que é que a Bahia tem”) e 1981 (“Teu cabelo não nega”). Na Imperatriz, impressionaria com carros memoráveis, como o abre-alas de 1982. O enredo era “Onde canta o sabiá”, e a alegoria mostrava Gonçalves Dias recitando o poema num sarau, num salão com cortinas de renda e manequins com roupas de veludo.
Com bagagem cultural e preferência por temas históricos, Arlindo virou especialista em temas africanos. É dele um dos mais belos trabalhos no campo da arte negra, ao falar de uma visita do Rei da Costa do Marfim a Xica da Silva, na Imperatriz Leopoldinense, em 1983.
Já em 1986, na União da Ilha, Arlindo se reinventou e elaborou um carnaval alegre e colorido, bem ao estilo da escola insulana. Foi o ano das “Assombrações”, que trouxe também muito requinte, bom gosto e bom humor para a Sapucaí já na era do Sambódromo. Entre as assombrações, estavam o leão do Imposto de Renda, o FMI e o medo da bomba atômica.
Arlindo Cruz marcou uma era das escolas de samba em que deixam de ser vistas como manifestações “folclorizadas” e passam a ser encaradas como entidades culturais abertas à participação da população. A partir de então, as escolas ampliam seu público e passam a organizar seus desfiles de forma a serem compreendidos com mais facilidade. Os enredos se estruturam de forma mais didática, com começo, meio e fim. Em reportagem publicada no GLOBO em 12 de janeiro de 2003, o carnavalesco é descrito como perfeccionista, e o cuidado com as alegorias nos mínimos detalhes era a sua marca.
O carnavalesco Arlindo Rodrigues morreu, aos 56 anos, em 8 de outubro de 1987, vítima de insuficiência respiratória, na Casa de Saúde São Miguel, no Rio de Janeiro. O artista havia recebido alta, mas voltou à clínica muito debilitado. Arlindo estava há mais de um mês licenciado da TV Manchete, onde dirigia o Departamento de Cenografia e Figurinos. Antes de recorrer ao tratamento médico, completou o trabalho de elaboração dos cenários da peça “O arquiteto e o imperador”. Ele morreu sem concluir dois projetos seus, os cenários de “Salada paulista”, novela da TV Manchete, e o espetáculo “O descobrimento do Brasil”, que seria encenado no Theatro Municipal.
Desde 2009, o nome de Arlindo Rodrigues batiza a rua que fica em frente à Cidade do Samba. Uma homenagem ao carnavalesco que foi um dos responsáveis por elevar o desfile das escolas de samba ao posto, para muitos, de maior espetáculo da Terra.
Em 2020 a Imperatriz vai reeditar “Teu cabelo não nega” e será mais uma forma do Carnaval prestar homenagem ao grande artista que foi Arlindo Rodrigues.
Por Waldir Tavares
Texto Pesquisa fonte O Globo