O histórico dos desfiles do Grupo de elite do carnaval carioca demonstra que nem sempre um samba bem avaliado em um determinado momento garante notas máximas em uma reedição.
A prática de reeditar sambas-enredo no Grupo Especial do Carnaval carioca foi autorizada pela primeira vez em 2004, durante a fase pré-carnavalesca, em comemoração ao vigésimo aniversário do Sambódromo. As escolas de samba foram incentivadas a revisitar seus repertórios e apresentar releituras de sambas-enredo marcantes de sua história. Na ocasião, quatro agremiações escolheram seguir esse caminho.
A Portela escolheu como enredo “Lendas e Mistérios da Amazônia”, de 1970, um clássico que marcou época. Já a Império Serrano optou pela reedição de “Aquarela Brasileira”, de 1964, um samba considerado um dos mais importantes da história do Carnaval carioca. A Viradouro reeditou o samba-enredo da Unidos de São Carlos de 1975, “A Festa do Círio de Nazaré”, com o novo título “Pediu pra Pará, parou! Com a Viradouro eu vou pro Círio de Nazaré“, uma releitura do carnavalesco Mauro Quintaes.
A Tradição, por sua vez, escolheu o clássico “Contos de Areia”, da Portela, de 1984. A escolha foi significativa, pois vale lembrar que a escola foi fundada por dissidentes da Majestade do Samba. Passada a euforia dos desfiles, o melhor resultado entre elas, foi uma quarta colocação da Unidos do Viradouro, que voltou entre as campeãs daquele carnaval. A Portela fez um bom desfile e ficou em sétimo lugar.
O Império Serrano não teve o mesmo sucesso e ficou em nono lugar. Apesar da beleza do samba e do empenho da escola, o desfile não conseguiu empolgar os jurados. A Tradição amargou a décima segunda colocação. A escola de Campinho apresentou um desfile irregular, com falhas de alegorias e fantasias, que resultaram em notas baixas do júri. A curiosidade é que apenas a Viradouro não alcançou as notas máximas no quesito samba-enredo. A obra sobre o Círio de Nazaré recebeu um 9.8, 9.9 e apenas dois 10.
Em 2005, a Unidos do Porto da Pedra optou por reeditar o enredo “Festa Profana“, originalmente apresentado pela União da Ilha de 1989. A escolha gerou críticas por se tratar de um samba de outra escola. Polemicas a parte, a escola chegou a flertar com o retorno às campeãs, mas uma nota controversa de 7.6 em alegorias a impediu de alcançar uma colocação melhor. Já o famoso samba da Ilha, considerado um dos melhores da história do Carnaval carioca, recebeu todas as notas máximas dos jurados.
Em seu retorno ao Grupo Especial em 2007, a Estácio de Sá teve a missão de abrir os desfiles e escolheu reeditar o clássico samba-enredo “O Ti-ti-ti do Sapoti“, obra da própria escola apresentada no carnaval de 1987.
Apesar da popularidade do samba, a escola não conseguiu empolgar o público e os jurados com seu desfile, que foi considerado frio. Como resultado, a Estácio de Sá amargou a última colocação e o rebaixamento para o Grupo de Acesso. As notas do samba-enredo foram: 9.7, 9.8, 10 e 9.9, repetindo sua avaliação original que também perdeu décimos em 87.
No Carnaval de 2009, o Império Serrano voltou a reeditar um enredo no Grupo Especial, com a releitura de “A Lenda das Sereias e os Mistérios do Mar“, de 1976. A escola da Serrinha teve a missão de abrir os desfiles daquele ano e, apesar do samba-enredo sobre as sereias ter recebido todas as notas máximas, a escola amargou a última colocação e o rebaixamento para o Grupo de Acesso.
Somente dez anos depois, em 2019, outra escola de samba do Grupo Especial voltaria a reeditar um samba-enredo. A São Clemente levou pela segunda vez à Marquês de Sapucaí o irreverente “E o Samba Sambou”, originalmente apresentado em 1990.
Enquanto o desfile original na década de 90 rendeu à escola a sexta colocação, a releitura de 2019 não obteve o mesmo sucesso, culminando na décima segunda colocação. O samba, que no primeiro desfile recebeu todas as notas máximas, teve um desempenho inferior na reedição, com perdas de décimos significativas: 9,8, 9,9, 10 e 9,9.
No último Carnaval, a Unidos de Vila Isabel surpreendeu ao escolher levar à avenida uma reedição de “Gbalá, Viagem ao Templo da Criação“, obra-prima apresentada pela escola em 1993. A agremiação superou sua colocação original, faturando a sexta colocação e o retorno de uma reedição ao Desfile das Campeãs após 20 anos.
Embora a releitura do samba “Gbalá” tenha emocionado o público e resgatado a memória do desfile original de 1993, a obra composta por Martinho da Vila não repetiu o feito de receber notas máximas. A perda de dois décimos (10, 9,8, 10 e um 9,8 descartado) impediu a Unidos de Vila Isabel de alcançar a quarta colocação e frustrou a expectativa de quebrar o jejum de notas máximas em samba-enredo que se prolonga desde 2017.
A Viradouro e a Possibilidade de Reeditar “Alabê de Jesusalém”:
Campeã do Carnaval de 2024 com “Arroboboi, Dangbé“, a Viradouro já pensa no próximo ano. Rumores de que a escola reeditaria o sucesso “Alabê de Jesusalém” (2016), um dos maiores sambas de sua discografia recente, agitam os fãs da escola. O diretor executivo da escola, Marcelinho Calil, não descarta a ideia. “Todo ano, se alguém vir me perguntar, eu vou falar que existe esta possibilidade “, disse ele.
A decisão de reeditar sambas-enredo antigos permanece controversa no mundo do Carnaval. Críticos argumentam que a prática impede o desenvolvimento da ala de compositores das agremiações, limitando a criação de novas obras e perpetuando estilos antigos. Já defensores da reedição a veem como uma forma de proporcionar momentos de nostalgia ao público, relembrando grandes momentos da folia carioca.