A bandeira da igualdade de gênero é uma das mais defendidas nesses tempos, uma vez que se observa que em pleno século XXI, as mulheres ainda têm muitas dificuldades para ocupar espaços por anos ocupados somente por homens, situações estas que se espalham pelos mais diversos setores da nossa vida cotidiana.
Mesmo no carnaval existem setores de escolas de samba que ainda são redutos dos homens e raramente se vê uma mulher sobressair-se ou mesmo ocupar o posto principal, como por exemplo, os carros de som das agremiações carnavalescas.
No final da década de 40, época em que datam os primórdios do samba enredo (samba que contava a história de um tema único), um sambista oriundo da escola conduzia uma parte da música e um coral, predominantemente feminino entrava nos refrões. Eram as pastoras: um coro formado por mulheres, inspirado no grupo que acompanhava o cantor Ataulfo Alves. As pastoras geralmente faziam as vozes em terça, ou seja, num tom alto, lembrando o canto bonito e ao mesmo tempo melancólico das lavadeiras. No entanto, é difícil dizer com precisão qual foi a primeira puxadora de samba. (FONTE: http://www.sambariocarnaval.com/index.php?sambando=mulheres).
Das mulheres que já estiveram na avenida defendendo sambas de enredo, podemos destacar as figuras de Tia Surica, Elza Soares, Marlene, Ivete Garcia, Dinalva, Simone, Selma Reis, Clara Nunes, Leci Brandão, dentre outras.
De um passado recente vem a utilização de vozes femininas durante a gravação dos sambas de enredo cariocas, das escolas do grupo especial, quando vozes femininas secundariamente davam suporte às vozes dos interpretes principais das agremiações, com destaque para o trio “As Gatas”.
No carnaval carioca de 2020, por exemplo, somente na São Clemente se pôde observar a figura de Grazzi Brasil apontada como voz principal do carro de som da agremiação, com outros dois interpretes do sexo masculino, de resto somente homens ocupam o posto de voz principal no grupo de elite das escolas de samba do Rio, embora se possa observar vozes femininas secundariamente, como apoio aos cantores principais.
Grazzi Brasil por anos foi a principal voz da tradicional Vai-Vai, do bairro do Bexiga e que no Rio de Janeiro brilhou no carro de som do Paraíso do Tuiuti logo em sua chegada à capital fluminense, dividindo expediente também com a Vai-Vai.
Grazzi se reconhece como cantora desde seus 13 anos, tendo adquirido popularidade no meio do carnaval em meados do ano de 2016, quando defendeu o samba vencedor da Vai-Vai para o carnaval de 2017 nas eliminatórias da escola. Após a disputa, foi convidada pelo Vai-Vai a gravar uma participação na faixa da escola no CD do Grupo Especial de São Paulo, dividindo-a com o intérprete Wander Pires, e a integrar o carro de som da Escola do Povo, sendo apontada pela crítica especializada como a revelação do carnaval paulistano no ano. Sua estréia como cantora oficial ocorreu no carnaval de 2018, quando se tornou a primeira mulher a puxar o samba-enredo da Vai-Vai na história da escola, ao lado do intérprete Gilsinho.
Em 2019, Grazzi Brasil novamente fez história ao conduzir sozinha o carro de som como interprete oficial do Vai-Vai.
Nas escolas de samba do grupo especial de São Paulo, a situação se repete, já que assim como acontece no Rio, também são os homens que dominam os carros de som, como intérpretes das grandes agremiações que desfilam no Anhembi.
Mas quem não se lembra da voz marcante de Eliana de Lima, intérprete das escolas de samba paulistas Unidos do Peruche e Leandro de Itaquera.
Na trajetória musical de Eliana de Lima, destaque para os desfiles onde interpretou os sambas os sambas “Filhos de Mãe Preta” da Unidos do Peruche no carnaval de 1988 e “Babalotim – A História dos Afoxés” da Leandro de Itaquera nos desfiles do carnaval paulista de 1989, sendo estes seus sambas mais conhecidos.
Dos desfiles considerados mais marcantes, no carnaval paulista de 1988, a Unidos do Peruche, numa apresentação luxuosa com carros alegóricos gigantescos, contou com dois grandes intérpretes puxando seu samba: Jamelão e Eliana de Lima.
Vem do interior do Rio Grande do Sul, mais precisamente da cidade de Pelotas, outro exemplo de carro de som de escola de samba com voz feminina como destaque. Trata-se da multicampeã do carnaval pelotense, com vinte e dois campeonatos desde sua fundação, a escola de samba General Telles, escola do povão, das cores vermelho e branco.
No carro de som da General Telles, dentre o grupo de intérpretes da agremiação, destaca-se a voz de Miriam Lua, que em meados do ano de 1991, através do próprio irmão, recebe o convite para iniciar carreira na Banda Lua Cheia, época em que a presença de mulheres em banda de swing balanço era bastante raro e para a “Lua Cheia” seria um diferencial. Aceitando o convite do irmão, então Miriam tornou-se a primeira mulher a cantar nesse segmento na cidade de Pelotas, estreando então no teatro Sete de Abril, cantando solo a música: casinha de Sapê.
Posteriormente o crescimento e divulgação da banda foi rápido e veio a gravação de um primeiro CD e logo a seguir a segunda gravação, desta vez feita em São Paulo.
Já no ano de 2003 o então presidente da escola de samba General Telles teve a ideia de convidar o Gerson, irmão da Miriam e líder da “Lua Cheia” para ser intérprete da escola no carnaval e mediante este convite eles chegam a ideia de levar toda a harmonia vocal da banda para o desfile da escola, fato único na época, já que nunca havia acontecido de cantores da noite, do segmento swing balanço, interpretarem um samba-enredo em passarela. Daí no carnaval de 2004 a General Telles apresentou essa inovação nos desfiles da cidade, tendo a escola alcançado o campeonato naquele ano. No carnaval de 2005 foi alcançado o bicampeonato e no carnaval seguinte foi alcançado o tricampeonato.
Por fim no ano de 2015 Miriam Lua retornou sozinha a General Telles, dessa vez em carreira solo. No carnaval de 2019 ainda cantou no bloco burlesco “Bafo da Onça”, tendo ainda animado o carnaval em cidade vizinha de Pelotas nos carnavais de 2017 e 2020.
No carnaval de 2019, Miriam Lua retorna a General Telles, tendo de novo a escola obtido sua 22ª. estrela e Miriam foi escolhida como a melhor intérprete daquele carnaval, recebendo o troféu Agostinho Trindade, troféu dado aos melhores em cada quesito no nosso carnaval daqui de Pelotas.
Recentemente Miriam Lua participou do desafio do site Carnaval Número 1, cantarolando o samba da General Telles do carnaval em que a escola homenageou a bailarina Dicléia Ferreira de Souza, com o enredo “No Coração da Telles brilha a Estrela Dicléia”, carnaval que trouxe mais um campeonato à escola pelotense.
Desta forma, por tudo acima escrito, é possível sim que o atual cenário tenha mais equilíbrio entre homens e mulheres, com participação igualitária nos diversos segmentos das agremiações carnavalescas, visto a qualidade e talento que componentes de ambos os sexos tem para tornar o espetáculo cada vez mais competitivo e de qualidade inquestionável.
Por Sidnei Louro Jorge Júnior