Aos 34 anos, João Vitor Araújo assume a responsabilidade de tocar o barracão do Paraíso do Tuiuti, escola que ganhou projeção nos últimos dois carnavais com seus temas de crítica social e política. Vindo do Grupo de Acesso carioca, onde acumulou experiência e bons resultados na Unidos de Padre Miguel e Acadêmicos da Rocinha, João é mais um dos jovens talentos que estão sendo pinçados das divisões inferiores do Carnaval carioca.
Com uma única experiência dentre as escolas grandes (fez a Viradouro em 2015), o artista já largou na frente lançando o enredo do Tuiuti para 2020. “O Santo e o Rei: Encantarias de Sebastião”, que fará uma correlação entre o santo padroeiro da cidade do Rio (e do Tuiuti também) com toda a mitologia que cerca o Rei Sebastião, de Portugal, morto em uma batalha no Marrocos no século 16. Em entrevista exclusiva à coluna do site UOL, João Vitor Araújo conta um pouco de sua trajetória e adianta um pouco do que estará na sinopse do enredo, prevista para sair em maio.
Você é mais um jovem carnavalesco que chega ao Grupo Especial. Você acha que a renovação é um processo irreversível?
João Vitor Araújo – Eu gostaria muito de dizer que nossa geração chegou para ficar, mas acho que, na verdade, é um teste. Nos últimos anos, o desfile da Série A (Grupo de Acesso) passou por muitas dificuldades financeiras, por falta de patrocínios e apoio oficial e os carnavalescos se acostumaram a fazer os desfiles com muito pouco. Com a crise econômica no Especial, acho que os dirigentes resolveram encontrar novos talentos, acostumados com as dificuldades. Apesar disso, sei que o Grupo Especial é outra realidade, com um nível de exigência muito maior.
Você fez o Grupo Especial uma vez, em 2015, pela Viradouro e agora está de volta. Para quem não te conhece, quem é João Vitor Araújo?
O João Vitor é um apaixonado pelo Carnaval. Figurinista, designer gráfico e de indumentária que se apaixonou pela festa e já trabalhou em várias funções em muitas escolas, encarando diversas situações e orçamentos. Tudo começou quando eu era garoto, tinha uns 13 ou 14 anos e trabalhava de empacotador em um supermercado na Ilha do Governador, perto da quadra da União da Ilha. Dali, eu passei a frequentar a escola, que é a minha de coração, e comecei a ajudar na confecção das fantasias e a desfilar. Venho de uma família humilde e sempre trabalhei, desde cedo, para me sustentar. A partir do meu trabalho e do Carnaval, pude fazer minha faculdade (ele é formado em Design Gráfico pela Universidade Estácio de Sá).
É inevitável tocar neste assunto: você é o único carnavalesco negro no Grupo Especial. Já foi vítima de alguma situação de preconceito?
É uma responsabilidade muito grande. Escutei de muita gente que eu não conseguiria chegar lá porque “tinha muita gente na frente” — e eu sabia bem o que queriam me dizer. Já comi o pão que o diabo amassou, quebrando muitos tabus. Quem me conhece sabe do longo caminho que percorri até aqui.
Como você avalia a experiência de ter feito a Viradouro? Era a hora certa de ter chegado ao Grupo Especial?
Digo, do fundo do coração: eu estava muito feliz com o título do Grupo de Acesso em 2014 e não sabia da responsabilidade e da dificuldade que teria no Especial. A escola também vivia uma situação administrativa complicada. Começamos o Carnaval muito tarde, trabalhamos em um enredo que não era meu. Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje, não teria feito. Mas, com isso adquiri experiência e maturidade para definir os rumos da minha carreira. Aprendi muito com aquele Carnaval.
Você está de volta ao Grupo Especial e para uma escola que está na moda. Como você vê essa chegada ao Tuiuti e a responsabilidade de substituir Jack Vasconcelos?
Quando eu fui convidado para a escola, falei com o presidente sobre essa missão. Preciso manter a qualidade de Carnaval que a escola vem apresentando e trabalhar bastante. No que depender de mim, o Tuiuti não vai deixar a desejar.
Na semana passada a escola divulgou o título do enredo. O que podemos esperar dele?
Esse enredo eu e João Gustavo Melo (enredista) já tínhamos guardado há algum tempo. Eu não sabia que São Sebastião é padroeiro da escola. Quando cheguei ao barracão, vi aquela escultura imensa do santo e tive a ideia de tocar este projeto. O que chama a atenção também são as coincidências. Em 1554, no dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, nasceu o rei Sebastião de Portugal. Quatrocentos anos depois, na mesma data, nasceu o Paraíso do Tuiuti.
O rei morreu aos 24 anos em uma batalha no Marrocos e seu corpo nunca foi encontrado. Surgiram várias lendas a seu respeito no Maranhão, como a do touro negro, que, ferido na testa, faria o rei reaparecer. São Luiz seria tragada pelas águas e daria origem a uma cidade encantada. Nisso, faço uma comparação com o Rio de Janeiro, que é uma cidade encantada e teve seu fundador ferido de morte no dia de São Sebastião com um flechada.
O Rio, cidade protegida pelas matas de Oxóssi, rei de Keto, que clama pela paz ao seu padroeiro. Assim como os portugueses sonham com a volta do Rei Sebastião, o carioca pede a volta de um mártir, de uma divindade, para colocar a cidade nos eixos. Parte do enredo é inspirada pelo poema do Ferreira Gullar chamado “O rei que mora no mar”. Também tivemos o auxílio do historiador Luiz Antonio Simas, que participou na construção da narrativa.
A crítica política, tão presente nos últimos anos, dará o ar da graça?
Dentre os nossos compositores dos sambas dos últimos anos, está o Moacyr Luz, que, por sinal, tem um clássico chamado “Saudades da Guanabara”, que diz: “Brasil, tira as flechas do peito do meu padroeiro/Que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar”. Isso é suficiente para matar a charada, não é? (risos).
O samba será encomendado novamente ao Moacyr, Cláudio Russo e parceiros?
A tendência é essa. Os compositores têm feito bons sambas e ajudado a escola a ter bons resultados nos últimos anos.
Fonte: UOL