Chegamos a mais um vinte de novembro, data designada para que se celebre a “Consciência Negra”, nem país onde a grande maioria da população é identificada como preta ou parda, segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE.
Mas o certo é que ampla parte dessa grande maioria ainda não conseguiu desvencilhar-se do passado de opressão, desigualdade e racismo, situações estas que insistem ainda a assolar a nossa sociedade atual, por mais que os tempos sejam outros, que se usufrua de tecnologia avançada e que os movimentos sociais estejam num cenário de luta permanente contra o racismo e a desigualdade social.
O carnaval, que congrega manifestações múltiplas, plurais e complexas, se configura como lugar razoável de liberdade, legitimação e protagonismo para a ampla maioria da população brasileira, que é abandonada ao acesso a outros espaços, bens, serviços e demais oportunidades que o racismo estrutural nega diariamente.
Foi através do carnaval que o negro primeiramente pode festejar distintas manifestações de liberdade.
As recordações de blocos, marchinhas, desfiles de escolas de samba (e o próprio samba), apresentam consigo encantadoras histórias de luta, ancestralidade e resistência cultural. As reminiscências das fantasias e máscaras atestam o espírito livre e infrator de muitas manifestações negras durante os festejos carnavalescos.
Mas a nossa realidade atual é de que até o nosso carnaval está imerso em um processo de opressões raciais, de gênero, sexualidade e classe.
Cristiano Lima, da Coordenação Nacional de Entidades Negras nos relata que “o carnaval de rua foi construído com a exclusão social dos negros, já que eram os clubes que faziam a festa, mas os negros, pobres e excluídos, começaram a fazer essa festa na rua e se organizaram. Quando isso ganhou importância, quando a sociedade negra se associa para participar disso, aí que a elite sai dos clubes e vai pra rua também, mas nunca de forma igualitária.”
O carnaval foi uma das primeiras festividades que deu visibilidade à cultura afro-brasileira. Os festejos carnavalescos, importados do velho continente, sempre contaram com dança e sonoridade essencialmente negras no seu estabelecimento em nosso país. Os maiores subsídios do negro nesse processo foi a criação de gêneros musicais adequados para a folia, como o samba, o samba-enredo, o maracatu, o afoxé e o axé.
Veio principalmente da participação negra nas festividades carnavalescas a criação dos cordões, das escolas de samba e muitos blocos famosos, além da temática negra ser rotineiramente explorada nos temas de enredos das agremiações carnavalescas.
Os enredos das agremiações carnavalescas são importantes veículos para conservar e difundir referências e valores de certos grupos étnicos sociais continuamente discriminados, que alcançam espaço na época da realização do carnaval. Foi preciso o carnaval para que figuras como Zumbi dos Palmares, Chico Rei e Chica da Silva, recebessem o devido destaque a que fazem jus, visto que eram incógnitos pela ‘história oficial’.
O carnaval tem o condão de manter a cultura negra viva. Foi com os símbolos da tradição negra que o samba se tornou expressão musical em todo o Brasil.
No carnaval se tem um espaço de intenso diálogo e negociação das tensões sociais que decorrem das relações no dia-a-dia das cidades.
As escolas de samba, muitas vezes, assumiram obrigações básicas que o Estado não deu conta, como por exemplo, dar oportunidades de ofício, de aprendizagem e de construção de subjetividades para crianças, jovens e adultos. Nessas agremiações, saberes e valores básicos à cidadania são frequentemente comunicados dos mais envelhecidos aos mais jovens, de onde surgem grandes profissionais nas mais distintas áreas.
Tem-se que no transcurso das décadas iniciais do século XX, que o samba era avaliado como música inferior, selvagem e libertina. Foi com o advento da Era Vargas, nos anos de 1930 que o samba foi lançado à condição de símbolo da nacionalidade. Nessa época houveram incentivos ao carnaval das escolas e a utilização da recém-inaugurada radiodifusão, ajudando a que acontecesse a expansão desse ritmo por todo o país, até os dias atuais.
Não há nenhum exagero ao se dizer que o samba pode muito bem ser considerado como um ritmo negro de resistência.
A festa da carne é memória, vida e seguimento para negros e negras.
Por fim se pode afirmar que o carnaval ainda representa um dos poucos espaços para expressão da cultura afro-brasileira na sua integralidade e essência.
por Sidnei Louro Jorge Júnior