DESTAQUE DE LUXO – CRISTIANO MORATTO

Cristiano Moratto, Designer de Moda, Programador Visual, Coordenador e Primeiro Destaque da União da Ilha do Governador. Filho de Risolete Moratto e José Almeida, ele nasceu no bairro do Campinho, no Rio, e foi criado em família composta por sambistas, todos portelenses. O samba era respirado como o ar, presente em cada momento, e Moratto cresceu ouvindo mestres como Clara Nunes, Paulinho da Viola, David Corrêa, Dedé da Portela entre outros ilustres sambistas da azul e branco de Madureira. Mas sua verdadeira paixão entre as Escolas de Samba seria descoberta longe dali, no lado ocidental da Baia de Guanabara, a Ilha do Governador.

Em 1978 através de sua madrinha e tia Rosilda Moratto, que morava no bairro insulano, Cristiano viria conhecer aquela que ele escolheria como sua escola de coração, a União da Ilha do Governador.

No verão eu passava alguns fins de semana em sua casa, e ela (a tia) me levava para o ensaio onde famílias e vizinhos se reuniam, conversavam, cantavam e sambavam embalados pela voz do grande Aroldo melodia na cadência da bateria, que até hoje me embala

Em 1978, sob os versos de “O Amanhã”, o menino Cristiano, pisou pela primeira vez em uma quadra de escola de samba. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, o conhecido samba-enredo da União da Ilha era cantado em todos os cantos da cidade e marcou a memória do futuro Destaque Cristiano Moratto, que conheceu o “Amanhã” nos ensaios dentro da quadra, e aos seis anos não imaginava que a mesma obra ecoava por toda cidade e seria imortal até os dias de hoje.

Neste ano pela primeira vez o desfile das escolas de samba ocorreu na rua Marquês de Sapucaí (Época das arquibancadas desmontáveis, antes do Sambódromo, que seria inaugurado em 1984). O ano foi histórico para a União da Ilha. A carnavalesca Maria Augusta fez o carioca se enxergar naquele desfile, “O Amanhã” entraria para a História dos Carnavais, marcando os jovens daquela época, entre eles o pequeno Cristiano Moratto.

A cigana leu o meu destino, eu sonhei…
Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante
Eu sempre perguntei…

Passados alguns anos, e como na letra do samba, o destino fez com que Cristiano Moratto estivesse novamente envolvido com o carnaval e desta vez seria para ficar e fazer história na maior festa popular do planeta, quando o amigo Gilberto Pitanga apresentou Cristiano, já envolvido com moda e figurino, ao grande carnavalesco Oswaldo Jardim, do qual foi ser assistente.

Como assessor de Jardim, no inicio dos anos 90, o jovem Moratto teve a oportunidade de conhecer os históricos concursos de fantasias no Hotel Glória, na época transmitido ao vivo para todo o país através da extinta Rede Manchete, onde o carnavalesco era o  apresentador do espetáculo. Ali assistiu de perto os maiores nomes entre os Destaques de Luxo da época, como Clovis Bornay, Walkiria Miranda, Jésus Henrique entre tantos outros que se tornariam ídolos e referencia para Moratto.

Era um momento mágico presenciar toda aquela riqueza em um só lugar. Por vezes o peso e o gigantismo das fantasias me assustavam, mas ao entrar em cena os destaques deslizavam pela passarela, leves, encantadores, e a cada entrada o público vibrava, aplaudia. Havia sempre uma enorme expectativa em saber quem seria o grande vencedor da festa

Em 2006 nos tempos de União da Ilha no Grupo de Acesso. O amor pela escola se dá em onde ela estiver

Foi ali, assistindo os Concursos do Glória, que surgiu a vontade de construir uma fantasia, de criar um personagem. Assim em 1992 começa a trajetória de Cristiano Moratto como Destaque no carnaval do Rio de Janeiro.

No carnaval de 92 Oswaldo Jardim assinava o enredo “Guanabaran – o Seio do Mar” na Unidos da Tijuca, e surge a oportunidade de Cristiano desfilar na alegoria Os Fenícios, onde também estavam como destaque o carnavalesco Paulo Barros e a lenda no segmento, Veronique Cyriaco.

No ano seguinte Oswaldo vai para a Unidos de Vila IsabelMoratto o acompanha e desfila vestido de Ogum em “Gbala – Viagem ao Templo da Criação. Nos dois anos seguintes passa a desfilar com Roberto Szaniecki no Acadêmicos do Salgueiro, onde foi destaque nos enredos “Rio de lá pra Cá – 1994” e “O caso do Por acaso-1995”.

O que será o amanhã? Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer, primeiro amor de um menino…

Como a história do carnaval na vida de Moratto se confunde com a letra de 78, o sonho de um menino que era desfilar em sua Escola de Samba do coração chegaria em 1996 através de um amigo diretor de composições na escola insulana, que fez o convite. Naquele ano a União da Ilha desfilava o belo enredo “A Viagem da pintada encantada”, do carnavalesco Chico Spinoza.

Desfilei em uma composição com alguns amigos, transbordando de alegria, juntos cantando bem alto o samba e emocionados. Lágrimas me vieram aos olhos e foi ali nesse momento que eu carimbei de vez esse pavilhão no meu coração, um casamento perfeito, pois até hoje me emociono a cada desfile da União da Ilha“.

Dali em diante são 24 anos de União da Ilha, até chegar ao posto de Primeiro Destaque e Coordenador dos Destaques da Tricolor Insulana.

Sou o coordenador de um grupo que se tornou uma grande família, tenho muito prazer, dedicação, orgulho e respeito em coordenar esse valioso segmento dentro da escola. Recebo todo o suporte e apoio necessário, porém quando falhas acontecem no desfile transformamos em pauta para reuniões com a direção da escola a fim de aprimorarmos para o próximo ano”.

Trabalhando com moda a vida inteira e tendo um olhar mais crítico e moderno em relação a indumentária, para a construção dos seus figurinos cada detalhe é pensado. Medidas, tamanho, volume, proporção, mobilidade, leitura, sempre centrado na idealização do carnavalesco. Moratto nos relatou que durante o processo acha importante ter a troca com o artista que assina o figurino. Mesmo com inúmeras provas de roupa, testes de materiais, “tira duvidas” com carnavalesco, todo Destaque de Luxo precisa passar por imprevistos, e a experiencia conta nesta hora.

Ao longo desses anos vivenciei momentos bons e ruins no carnaval, que por vezes me fez pensar se valeria a pena continuar a enfrentar todos os problemas, como por exemplo a logística de transportar, montar e desmontar a fantasia no alto de uma alegoria. A dispersão também é outro desgaste, sem citar quando chove, tudo isso chega a ser desanimador

Eu, por exemplo no desfile de 2019, caminhando pela concentração os chifres da minha cabeça de dragão quebraram na bolsa, era uma proposta nova, feita em 3D, era oca, delicada, e eu fiquei desesperado sem saber o que fazer, tendo que me arrumar e o dragão lá sem os chifres. Era uma peça de grande visibilidade; Foi quando o meu maquiador teve a ideia de enfiar pedaços de papelão de uma caixa de cerveja jogada ali pela concentração, depois lambuzou com muita cola de sapateiro, aquela cola com cheiro forte, reencaixou as partes dos chifres e maquiou os remendos que ficara aparente. Corri para alegoria com cola pingando no cabelo, o cheiro fortíssimo e nenhum tempo para se quer processar o susto. Foi um desfile inesquecível!

Quando peguei o figurino com o carnavalesco Severo Luzardo era uma ideia, mas não tinha uma definição. Dai entrei em contato com o André Rodrigues, que já havia trabalhado com o Severo, e decidimos redesenhar o figurino com o aval do carnavalesco. Queria fugir da ideia de usar placa, e tinha pensado em uma ossada do cranio do dragão sem ser muito pequeno ou muito grande. Foi quando o Rodrigo Bonan sugeriu fazer em 3D”.

Ele fez o projeto, mediu minha cabeça e construiu em partes. Até ali ninguém sabia que a cabeça seria em 3D. Como a peça não aceitava cola, precisava construir uma estrutura para fixar. Dai levei para meu ferreiro que furou e colocou parafusos que foram disfarçados com massa Durepox moldados como pequenos chifres. Depois o processo foi pintar com meu pintor de arte, Cássio que é sempre maravilhoso. Com uma semana para o carnaval, levei a peça para o Severo ver e ele amou. Devido a fragilidade do material, acou ocorrendo o acidente antes do desfile.

Dono de estilo próprio, Moratto é um dos poucos que prefere usar costeiros menores e carrega-los nas costas, como eram os destaques de antigamente, dispensando os gigantes costeiros estáticos. Após tantos anos de avenida, os carnavalescos que passaram pela União da Ilha já sabem que Cristiano Moratto possui sua marca.

Acredito que eles não vejam problemas com relação ao meu estilo de fantasia pois sempre recebo o figurino em conexão com a minha proposta. Passando por grandes escolas como Vila Isabel, Viradouro, Imperatriz, Salgueiro, acabei conquistando minha credibilidade com os carnavalescos. Minha fantasia acompanha meus movimentos

Apaixonado pela cultura do carnaval, Cristiano contou que fica ansioso para o próximo projeto e a próxima fantasia. O Dragão estilizado da abertura no desfile de “A Peleja Poética Entre Rachel e Alencar No Avarandado do Céu” (2019), de Severo Luzardo, é uma das fantasias preferidas de Cristiano Moratto, que após o carnaval destina os figurinos para o carnaval de Notting Hill que ocorre nos mês de Agosto em Londres, Inglaterra e da qual ele também participa.

A redução no quadro e a falta de renovação no segmento são umas das preocupações do Designer de Moda, Cristiano Moratto. Ele enxerga que a diminuição de espaços no desfile, além da escassez de eventos ao longo do ano, ajudaram na falta do interesse de outrora que a mídia tinha por estas figuras. Em outros tempos, Bornay e Evandro Castro de Lima, por exemplo, já estamparam inúmeras vezes capas das mais renomadas revistas do pais.

Vale observar a renovação que acontece nas diversas frentes do carnaval, onde se destacam novos carnavalescos com propostas diversas, novos coreógrafos, novas musas, essa mesma renovação não é vista nos destaques de luxo do carnaval do Rio, especialmente entre as mulheres que tanto brilhavam na avenida como Marlene Paiva, Walkyria Miranda, Zeza Mendonça, Linda Conde, Tânia Índio do Brasil. Hoje é rara a presença feminina no nosso meio“.

De certo que a redução quase que pela metade do número de alegorias limitou-se as vagas no desfile. O cancelamento dos grandes concursos retirou o holofote das fantasias, o que vem sendo retomado nos últimos anos com o Grande Baile dos destaques de luxo da cidade do Rio de Janeiro, organizado magnificamente por Milton Cunha, onde várias personalidades do carnaval carioca marcam presença na festa“.

Discreto, porém gigante como artista, Cristiano Moratto não nega que no meio existem as famosas rivalidades, porém acha que faz parte do comportamento do ser humano e não uma exclusividade do meio.

É sempre uma festa nos encontrarmos, seja nos ensaios de quadra, ensaios técnicos, na Lavagem da Sapucaí. A nossa disputa é a das vaidades, e é positiva para o espetáculo. Algumas polêmicas existem mas não são exclusividades dos destaques, polêmicas existem em todos os setores, natural da humanidade, porém se forem construtivas vale a pena entrar na luta

E vai chegando o amanhecer, leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz, que eu serei feliz… Sempre feliz…

 

Entre os barracões e eventos, Cristiano Moratto teve a oportunidade de conhecer grandes artistas como Rosa Magalhães, Joãozinho trinta, Mauro Quintaes, Severo Luzardo, Cahe Rodrigues, Milton Cunha entre outros dos quais ele se tornou fã.

O menino Cristiano Moratto, que sonhava em estar na União da Ilha, cresceu e hoje nos seus 47 anos não deixa de sonhar como aquele mesmo menino de outrora. Se emocionando e acreditando que tudo isso vale a pena.

A vida é uma grande fantasia e essa é construída com a ajuda de costureira, ferreiro, sapateiro, escultor, pintor de arte e não poderia esquecer meu companheiro Marcelo Oliveira, o mais delirante sonhador. Juntos os sonhos vão se tornando realidade, a vida vai passando como nos versos de 1978 que ainda ecoam mundo a fora. O que será o Amanhã?

Como será o amanhã, responda quem puder,
O que irá me acontecer, o meu destino será como Deus quiser…

Penso que o próximo carnaval não será fácil, pós várias questões já se anunciam para dificultar, haja visto a atual pandemia, algo muito sério e que ainda estamos tentando entender a como lidar com isso. A falta de patrocínio somados a incerteza se realmente o carnaval acontecerá, fazem do amanhã um mar de grandes incertezas“.

Acredito que resgataremos valores, valorizaremos coisas simples, com olhar mais humano. Acredito que dias melhores virão depois desse momento nebuloso. Se por um lado o evento será castigado, assim como diversos setores da sociedade, por outro há uma imensa oportunidade de se reinventar, reciclar, criar um novo formato sem perder a essência. Antes do Destaque, prefiro falar como folião que sou, gostaria que o carnaval voltasse a sua essência resgatando o povo para avenida, como nos antigos carnavais, onde todos cantavam e sambavam juntos até o amanhecer”.

Por Waldir Tavares e Henrique Sathler

 

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