FERNANDO PINTO (In Memoriam)

O REI TROPICALISTA

Luis Fernando Pinto começou sua carreira no carnaval carioca em 1971, contratado pela diretoria do Império Serrano depois da saída dos carnavalescos Acir Pimentel e Swayne Moreira Gomes.

A agremiação de Madureira estava numa situação complicada, pois havia 11 anos que não faturava um título, batendo muito na trave, porém não fazendo o gol. Ainda que se encontrasse numa fase áurea no quesito samba-enredo, o gigantismo dos trabalhos apresentados muitas vezes atrapalhava a escola e ela acabava não conseguindo uma colocação muito satisfatória, até porque era difícil deter desfiles do patamar de O Mundo Encantado de Monteiro Lobato ou a imponência da equipe de Fernando Pamplona no Salgueiro.

Fernando Pinto se encontrava numa situação intermediária, chamado apenas para tentar apaziguar as posições medianas da escola.

Em 1971, deu para a Serrinha sentir a força do nome convidado. O Império Serrano ficou em 3º lugar com um enredo sobre a cultura e o folclore nordestino. O belíssimo trabalho apresentado, combinado ao sem-jeito de muitas co-irmãs em relação ao famoso “efeito Pega no Ganzê”, convenceu a cabeça dos jurados que o desfile imperiano não era apenas uma tentativa de barrar o Salgueiro, mas uma luta honesta de conseguir um campeonato tão sonhado à escola. Além disso, o samba e o intérprete eram pontos muito positivos do desfile de 71.

No ano seguinte, já havia uma expectativa do que viria da mente do carnavalesco, com o enredo Alo alô, taí Carmem Miranda. Mas acontece que a célebre turma do arroz-com-couve tomou consciência de que aquele era O Ano e que nada naquele desfile poderia falhar! Porém, na armação da escola na Avenida Presidente Vargas, houve certo pânico de muitos componentes em relação a situação das alegorias no momento: a maioria delas estavam praticamente nuas, quase somente as “carcaças”, sem enfeites, bonecos ou acabamento! Os imperianos começaram a se apavorar e um temível zum-zum-zum surgia contra com o carnavalesco.

Já algum tempo próximo do começo dos desfiles, o polêmico Fernando aparecia e tirava calmamente de sacos plásticos, vários animais, matagais e coqueiros. Do nada surgia o cenário do desfile, deixando todos extasiados! Criava-se ali o tropicalismo, estilo que seria mais tarde um marco do carnaval carioca e geraria desfiles antológicos vindos do cérebro do carnavalesco.

Na avenida, a escola realizou um desfile trouxe talvez um impacto talvez maior do que o próprio Bumbum Paticumbum Brugurundum, realizado dez anos mais tarde. A garra do componente foi algo pouquíssimas vezes visto num desfile de escola de samba. Fernando Pinto trazia o carnaval de raiz; algo muito simples, mas extremamente fantástico. Foi aberto pela clássica alegoria com o violão “Serenata Tropical”. Do início ao fim, via-se algo esdrúxulo para um desfile de escola de samba tradicional (o tão falado tropicalismo), mas um espetáculo que envolvia a alma do espectador. Quando a escola chegou na dispersão, já ao raiar do dia, todos sentiam um mágico quê de campeonato pairando no ar. E não deu outra: o Império Serrano não só conquistou o primeiro Estandarte de Ouro da história, como um dos mais merecidos títulos do carnaval carioca. E isso para alguém que havia estreado no mundo do samba apenas um ano antes!

Em 1973, o Império mais uma vez apostou em Fernando Pinto, com o enredo Viagem encantada Pindorama adentro, e novamente a combinação de impacto visual com garra do componente deu certo. O desfile não foi tão bom quanto ao do ano anterior, mas foi suficiente para ganhar grande carisma do público e ser bicampeã no Estandarte de Ouro. A maioria dos sambistas até hoje consideram o desfile imperiano como o melhor do ano, porém os jurados não pensaram assim e o título acabou indo para a Mangueira. No ano seguinte, a escola veio meio sem-jeito depois da perda do bicampeonato de 73, mas conseguiu um belo 3º lugar, com o enredo Dona Santa, rainha do Maracatu.

Em 1975, havia grande expectativa em relação ao Império Serrano. O carnavalesco escolheu um enredo sobre a vedete Zaquia Jorge, uma bailarina que abandonou o esplendor dos palcos para construir um teatro em Madureira. O contato da escola com o público foi algo inacreditável, comparando-se a 1972. O desfile foi para todos algo incomensurável, perfeito em todos os sentidos. A escola acabou ficando na 3ª colocação, perdendo apenas para a Mangueira e o Salgueiro.

No ano seguinte, Fernando Pinto acabou errando feio. O inovador carnaval de 76 foi um mau momento para o histórico do carnavalesco. Mesmo não sendo um desfile ruim, era muito pouco para barrar os imponderáveis desfiles da Portela, Mangueira, Mocidade e principalmente Beija-Flor (revolucionada por Joãosinho Trinta). O resultado foi o triste 7º lugar, “obrigando” a diretoria da escola expulsar Fernando Pinto do Império. Em 1977, ele não fez carnaval. Um ano depois, o Império tomou ciência da burrada que havia feito dois anos antes e chamou o carnavalesco de volta a agremiação. Mais uma vez, a escola fez um desfile péssimo, ainda pior que 1976, pois teve o azar de contar com um samba precário. Resultado: o primeiro rebaixamento da história do Império Serrano! Novamente, Fernando Pinto é expulso da escola da Serrinha, desta vez para não voltar mais.

Em 80, o patrono Castor de Andrade chamou Fernando Pinto para substituir Arlindo Rodrigues na Mocidade Independente de Padre Miguel. Com o enredo Tropicália Maravilha, a escola da Vila Vintém deu início a mais uma era dourado no carnaval carioca. O tropicalismo, mesmo atacado certas vezes por alguns saudosistas, já era evidentemente implantado nos desfiles de escola de samba. A combinação de flores, frutas e diversas plantas deram ao desfile um colorido especial. A Mocidade foi vice, empatada com a Vila Isabel e União da Ilha. Em 81, a escola ficou em 6º lugar, com o enredo Abram alas para a folia, aí vem a Mocidade. Em 82, ele fora convidado para fazer carnaval na Mangueira, dando um agradável 4º lugar para a verde-rosa com um enredo sobre as noites cariocas.

Mas a estrela do carnavalesco só começaria a brilhar um ano depois, quando Fernando retornou a Mocidade. Com o enredo Como era verde meu Xingu, o carnavalesco levou legitimamente toda fauna e flora da mata do Xingu pra avenida, fazendo uma maravilhosa exaltação as nações indígenas. Mais uma vez, um desfile incomensurável, com a criatividade e o bom acabamento reinando do início ao fim! A escola soube agradar a todos, realizando uma apresentação digna de campeonato. Injustamente, a Mocidade ficou apenas na 6ª colocação. Em 1984 (ano da inauguração do Sambódromo), veio outro enredo criativíssimo: Mamãe, eu quero Manaus. Tratava-se de uma crítica bem-humorada ao comércio ilegal da Amazônia, citando o excessivo comércio informal da região nos tempos atuais, incluindo a pirataria. Quem não se lembra das super irreverentes baianas muambeiras?

Porém nada jamais pode se comparar a mágica do carnaval de 1985. Fernando Pinto havia deixado de lado o tropicalismo e os enredos nacionalistas para exaltar um tema absolutamente atual na época, que era a conquista humana do espaço sideral: Ziriguidum 2001 – Carnaval nas estrelas. O que parecia um tema abstrato, acabou se tornando talvez o maior desfile que Fernando Pinto já realizou! Até hoje é inacreditável a genialidade do carnavalesco de imaginar o efeito das abusivas cores prateadas refletindo na luz do sol, naquela manhã de carnaval. A primeira impressão era de que esse uso de prata nas fantasias e alegorias seriam problemáticas no contado com o sol, mas era evidente a todos que Fernando era um profissional e sabia do risco que estava correndo. E como já disse, tudo deu muito certo no final! Além disso, o gênio abusou da criatividade nas representações de estrelas, planeta, espaçonaves, discos voadores, alienígenas, astronautas, luas e cometas. Ainda teve direito ao alusivo carro da nave-mãe, trazendo um “minidesfile” em cima com vários sambistas e cinco naves espaciais acopladas. Antológico! Imprescindível! Dava impressão que o talento de Fernando Pinto também era de outro mundo.

Em 1986, o carnavalesco ficou longe do carnaval, mas decidiu dar uma de cantor ao gravar um LP, denominado “Estrelas” (foto da capa abaixo). Nele, constavam-se pérolas do quilate de “Cântico”, “Que nem balão”, “Barulho de chuva”, “Pureza”, “Rainha do Dancing”, entre outros. Uma das participações especiais foi de Tiãozinho Mocidade, eterno compositor da escola.

No ano de 1987, Fernando voltou a fazer desfile. Dessa vez, ele criou uma cidade imaginária, onde tudo girava no estilo de vida dos índios: a lendária Tupinicópolis. Novamente, a escola da Vila Vintém fez um desfile assombroso, cujos 5000 componentes desfilaram com pinta de verdadeira campeã. Todas as fantasias e alegorias assimilavam a cultura indígena com o nosso cotidiano. Shoppings, boates, hotéis, farmácias, cafés, cassinos, presídios, forças armadas e até torcidas de futebol; tudo representado com muita criatividade. Tupinicópolis foi talvez o maior lugar imaginário que um carnavalesco já criou para algum desfile. Fechou a terça-feira de carnaval com um clamor afoito de campeonato, algo que injustamente não veio acontecer, pois a Mocidade perdeu por um ponto da Mangueira no resultado oficial.

No meio do ano de 1987, já depois do carnaval, Fernando Pinto escolheu um enredo crítico para o carnaval de 88, falando da crise sociopolítica que o Brasil passava no momento. Ele estava voltando de um ensaio da escola, quando veio a falecer ainda jovem num acidente de carro. O Rio de Janeiro não perdia apenas um excelente carnavalesco, como um dos maiores gênios da história do carnaval. O desfile de 1988 acabou sendo desenvolvido por Mário Monteiro e Cláudio Amaral Peixoto. Vale a pena constar que a escola de Padre Miguel foi muito mal naquele desfile, pois só a ausência do carnavalesco era um ponto negativo. Acabou ficando em 8º lugar, empatado com a Caprichosos de Pilares e Tradição.
Jovem, não chegou a completar 15 Carnavais no Carnaval carioca, mas marcou seu nome de forma profunda, como se tivesse passado décadas à frente das escolas de samba.

O mais interessante de Pìnto é que ele não se encaixava na escola de carnavalescos que se destacavam até então. Fernando Pamplona, Maria Augusta, Rosa Magalhães e Arlindo Rodrigues eram formados em Belas Artes e trouxeram esse conhecimento acadêmico para o mundo do Carnaval.

Joãosinho Trinta, Renato Lage e Max Lopes beberam nessa fonte, cada um com suas características, mas vindos da mesma escola.

Fernando Pinto, não.

Ele parecia inaugurar uma nova linha no desfile das escolas de samba.

Fernando era único, parece que não era formado em Belas Artes e se não parecia seguir ninguém, também não teve sucessores.

Sua maior referência era a cultura nordestina que lhe rendeu belas imagens em seus desfiles. Juntando ainda uma estética tropicalista, formatada principalmente por Gilberto Gil e Caetano Veloso, nos anos 1960-1970, com símbolos da cultura pop e uma inquietude incansável, se tornou um gênio do imprevisível.

No Carnaval de 2014, 28 depois de sua morte, a Mocidade Independente lhe prestou uma homenagem com o enredo “Pernambucópolis”.

Era uma referência óbvia, claro, à terra de seu maior carnavalesco de todos os tempos e também uma citação a um grande enredo dele na escola: “Tupinicópolis”, de 1987, seguindo sua linha clássica de enredos de linha tropicalista.

Foi homenageado pela GRES União de Rocha Miranda, do Grupo de Acesso, em 1990. A escola levou à avenida o enredo “Mamãe, eu quero Fernando Pinto, ziriguidum e Carnaval”.

Jack vasconcelos que ja fez tanta referencia no seu trabalho ao movimento Tropicalista, hoje tem a missão de tocar a Mocidade Independente que tanto se identifica com Fernando Pinto. O que podemos esperar? Talento para tal, o artista Jack Vasconcelos tem e de sobra.

Por Waldir Tavares
Texto pesquisa Carlos Nobre/ O Globo / Arquivos JB
Fotos Marcelo Guirelli (Tantos carnavais)

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