Faz dez anos, que em absoluto “segredo“, o casal de coreógrafos Priscila Motta e Rodrigo Negri em parceria com o carnavalesco Paulo Barros, “transformariam” o quesito Comissão de Frente em um espetáculo a parte dentro de um Desfile de Escola de Samba.
Nos anos noventa, o quesito em questão já havia passado por uma revolução coreográfica a partir dos belíssimos trabalhos do coreografo Fabio de Mello. Mas foi a partir da inovação do trio Tijucano que nos anos seguintes a busca pela ousadia e o impacto inicial de um desfile, seria cada vez mais constante.
Em 2010, depois de dois anos afastado do Borel, Paulo Barros sacramentava na sua volta à Unidos da Tijuca a marca do seu estilo. O desfile foi pontuado por truques e ilusões que surpreendiam o público, para contar a história dos mistérios e segredos da história da humanidade.
Desfilando no Domingo do carnaval de 2010, a Unidos da Tijuca levou ao pé da letra o enredo “É segredo”, de Paulo Barros, e deixaria os espectadores intrigados com a evolução apresentada pela sua Comissão de Frente. Saídas de um camarim gigante, bailarinas trocavam de roupa em apenas alguns segundos, cobertas rapidamente por tecidos em forma de tubo, panos e também papel picado. A coreografia era repetida inúmeras vezes pelas bailarinas, que mostraram seis figurinos diferentes em dois minutos. Usando zípers, velcros, imãs e ganchos inseridos no vestuário. A base do truque estava na sobreposição de roupas, a comissão era seguida por uma imensa caixa preta imensa caixa preta, que na verdade um grande camarim.
Seis ‘assistentes’ dos mágicos trocavam de roupa várias vezes num piscar de olhos, na verdade eram 18 mulheres selecionadas e treinadas à exaustão pelo casal de coreógrafos Priscila Mota e Rodrigo Negri. Cada um dos três ‘sextetos’ se apresentava duas vezes ao longo da avenida. Dentro da caixa se escondiam 30 pessoas: as 12 ‘assistentes’ no ‘banco de reservas’, quatro figurinistas para auxiliar na troca e preparação das roupas e 14 empurradores. Todos só podiam trabalhar dentro do vestiário, de 63 metros quadrados e feito de ferro, madeira e veludo.
Priscila e Rodrigo testaram mais de 40 mulheres – entre dançarinas, atrizes e artistas de musicais – antes de escolher o grupo que deu o show de ilusionismo. Era importante que tivessem mais ou menos a mesma altura e peso.
Os vestidos eram confeccionados com um de tecido de malha de textura suave, caimento perfeito e boa elasticidade, o liganete. Em absoluto sigilo, no dia do desfile, as peças foram levadas para um hotel no Centro do Rio, onde os bailarinos ficaram concentrados desde o meio-dia, em quatro quartos. Naquele dia, a gigante de cosméticos MAC enviou nove maquiadoras com a missão de deixar as 18 ‘assistentes’ praticamente idênticas, o processo levou seis horas. As chaves dos quartos, em outro mistério que levou os funcionários do hotel à loucura, sumiram e só apareceram de madrugada. Elas estavam nos bolsos da mãe de Priscila, a aposentada Jussara Mota, uma das 30 pessoas na caixa preta que ajudaram a organizar e empurrar o tripé pela Avenida. “Estava um calor de mais de 50 graus lá dentro e nem conseguimos ver a apresentação, já que não tinha um buraquinho sequer. Mas sabíamos que tinha dado tudo certo quando ouvimos as palmas na arquibancada“, disse Jussara em entrevista na época.
Levar a comissão de frente mais inventiva de todos os tempos à Avenida custou caro. Cerca de R$ 200 mil e muito tempo. Foram três meses desde que Paulo Barros teve a ideia, assistindo a um vídeo na internet, até descobrir como colocá-la em prática. Outros quatro meses foram necessários para fazer o protótipo do vestido ‘muitas faces’, com tecidos e cores testados exaustivamente até se chegar ao modelo que encantou o público no Sambódromo. Os ensaios, que só foram realizados com a fantasia cerca de um mês antes do desfile, começavam por volta das 5h da manhã na Cidade do Samba ou na Sapucaí, desde que não houvesse ninguém assistindo além do pessoal autorizado pela Tijuca. Até o papel prata picado que encerrava o número e levantou as arquibancadas foi cortado e testado pelos próprios coreógrafos, que gastaram 80kg do material durante a apresentação, 36 dos 52 sacos disponíveis. De tecido, mais de mil metros foram gastos, com os vestidos e os seis panos vermelhos de 5 metros que faziam parte da apresentação. Tudo foi comprado e confeccionado a mais para o caso de algo dar errado ou se a chuva surgisse para atrapalhar o desfile.
Após o campeonato daquele ano, a famosa comissão de frente foi o assunto mais comentado, chegando a ser matéria exclusiva do programa dominical “Fantástico”,na Rede Globo de Televisão. Dali em diante foram centenas de contratos assinados para apresentações em feiras como o Salão do Automóvel, em São Paulo; a Festa do Peão de Barretos, no interior paulista; o Centenário da Companhia Docas do Rio de Janeiro; e no Resort Club Med, no sul fluminense. Só no Salão do Automóvel, o grupo se apresentou 130 vezes, uma vez por hora nas duas semanas de evento.
A escola surpreendeu com o número de ilusionismo ao vivo na Sapucaí, mas a técnica não era novidade. Paulo Barros é adepto a levar para seus desfiles, replicas de grandes shows de entretenimento. Ele teve a ideia após assistir o numero de mágica na televisão. A técnica é chamada de Quick Change, ou mudança rápida e ganhou popularidade anos antes do sucesso na Sapucaí, no show de talentos norte-americano American’s Got Talent.
Voltando ao desfile, foi um entrada arrebatadora que ajudaria na conquista daquele campeonato. O fato da Unidos da Tijuca sair campeã sendo a segunda escola a desfilar no Domingo, ficou marcado na história do carnaval. Outro fato importante, este também seria o primeiro titulo do Treta Campeão no Grupo Especial do Rio, Paulo Barros que quebraria um tabu levando a escola do Borel ao titulo após 74 anos de jejum.
A partir daquela apresentação, o conceito de Comissão de Frente nunca mais seria o mesmo. O show business invadiria o setor, fazendo com que passados dez anos, abertura de Escola de Samba virasse quase um desfile a parte com seus truques e seus quase obrigatórios imensos palcos alegóricos.