Inesquecível, “Kizomba, Festa da Raça” – Unidos de Vila Isabel 1988

A cada ano na Marquês de Sapucaí, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, apresenta para uma platéia fortemente movida pelo seu coração de torcedor, momentos de forte emoção que tornam-se inesquecíveis na memória de cada amante da grande festa popular brasileira, platéia esta que pode estar ao vivo ou espalhada pelo mundo, visto que a transmissão dos desfiles extrapola nossas fronteiras nacionais.

O carnaval de 1988, festejado como o carnaval do “centenário da abolição” transformou a pista da Sapucaí num palco para o debate sobre a condição do negro no contexto da época. Se as demais escolas abordaram o tema de forma parcimoniosa ou muito superficialmente, duas escolas, Unidos de Vila Isabel e Estação Primeira de Mangueira, se destacaram e seus sambas continuam no imaginário social e se converteram em libelos da luta pela inclusão dos negros, pardos e mulatos no rol dos favorecidos pelas ações políticas e sociais, por parte dos governos.

No carnaval de 1988, o tema de enredo “Kizomba, Festa da Raça” apresentado naquele ano pela Unidos de Vila Isabel levou a escola do bairro de Noel ao seu primeiro campeonato dentre as grandes escolas de samba do Rio.

Antes de se falar propriamente sobre o desfile de 1988 da Vila Isabel, precisamos retroceder ao ano de 1987, quando a Vila Isabel sofreu uma mudança radical. O então contraventor Capitão Guimarães abandonou a presidência da escola e em função disso assumiu o posto Lícia Caniné, a Ruça, militante do PCB, na época esposa de Martinho da Vila. Foi intenção da presidente da Vila desde o princípio, para o desfile de 1988, apresentar um desfile politizado, que modificasse a celebração do centenário da Lei Áurea em uma manifestação da luta principalmente contra o racismo.

O enredo foi de autoria de Martinho da Vila e seu desenvolvimento se deu pelo trabalho dos carnavalescos Milton Siqueira, Paulo César Cardoso e Ilvamar Magalhães.

Tudo derivou de kizomba, palavra do idioma kimbundo, originário de Angola, que significa uma confraternização da raça negra.

Com parcos recursos financeiros, a comissão de carnaval formada pela Vila Isabel teve que contentar-se com materiais baratos, como palha. sisal e tecidos com estampas de inspiração africana. A Vila Isabel que pisou na Sapucaí foi uma escola sem brilhos, mas com um grande impacto visual.

Sem poder contar com uma quadra para ensaiar, a Vila Isabel fez toda a sua preparação no Boulevard 28 de Setembro.

Na segunda feira de carnaval a Vila Isabel foi a sexta escola a pisar na Sapucaí com uma comissão de frente de guerreiros africanos. Já as alas da escola simularam diversos aspectos da cultura negra, abrangendo grupos folclóricos brasileiros que participavam de kizombas em Angola.

O samba daquele ano era de autoria de Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila, com a interpretação de Gera e Jorge Tropical. A letra deste samba-enredo nos trouxe a representação de um negro que lutou contra a escravidão; mais do que isso, um negro que não abandonou a lutar contra o preconceito racial, que não perdeu a esperança por liberdade e igualdade.

A Kizomba de Vila Isabel configurou-se num espetáculo do carnaval do Rio de Janeiro. O Carnaval como festa popular que alcança todo o povo, assim, a kizomba que a Vila descreveu como nossa “nossa Constituição” pressupunha a confraternização de todas as tradições, uma insígnia pelo direito a igualdade de todas as raças.

Foi uma verdadeira cerimônia africana, que conquistou público, crítica e corpo de jurados.

Finalizada a apuração, a escola do bairro de Noel ficou em primeiro lugar no Grupo Especial daquele ano, totalizando 224 pontos, um ponto na frente da Mangueira, que perdeu um ponto no quesito comissão de frente.

A Vila Isabel ainda foi a vencedora de importantes prêmios naquele ano, já que levou o Estandarte de Ouro de melhor escola e melhor samba-enredo.

A kizomba da Vila Isabel não pôde ser revista no desfile das campeãs daquele ano de 1988, já que o desfile foi cancelado em função dos                                                                        temporais que caíram na capital fluminense.

VALEU ZUMBI…

por Sidnei Louro Jorge Júnior

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp