O Treze de Maio – Liberdade – Realidade ou Ilusão?

 

O treze de maio, que na história do Brasil marca oficialmente a abolição da escravatura em nosso país, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel em 1888, não é uma data comemorada pelo Movimento Negro, que apresenta como razão para isso o tratamento dispensado aos que se tornaram ex-escravos no País, já que na avaliação de estudiosos do assunto, no momento da abolição faltou criar as condições para que a população negra pudesse ter um tipo de inserção mais digna na sociedade.

Lei Áurea (1888)
Lei Áurea (1888)

Por uma série de acontecimentos, o movimento negro prefere sim comemorar o 20 de novembro, que relembra a execução de Zumbi dos Palmares como dia da consciência negra, como momento para ressaltar o papel dos próprios negros no processo de sua emancipação.

Ritz Lagoa da Anta : Você conhece a história de Zumbi dos Palmares?
Zumbi dos Palmares

Muitas vezes alheias a estas discussões acadêmicas e pontos de vista antagônicos, a abolição da escravatura foi apresentada como tema nas escolas de samba por diversas oportunidades, com distintos pontos de vista, ora conservador, ora contestador.

O carnaval de 1988 pelo centenário da abolição da escravatura trouxe a negritude como destaque máximo no desfile das escolas de samba cariocas, com destaque para a negritude em seus mais variados aspectos, visto os desfiles da Unidos de Vila Isabel, Estação Primeira de Mangueira, Beija Flor de Nilópolis e Tradição.

Unidos de Vila Isabel e Estação Primeira de Mangueira – 1988

O pré-carnaval daquele ano foi difícil, com destaque para as mortes de dois grandes artistas do carnaval carioca, Fernando Pinto (29/11/1987) e Arlindo Rodrigues (08/10/1987).

Pelos lados da Estação Primeira de Mangueira, antes do desfile de 88, seu presidente Carlos Alberto Dória foi assassinado.

Desde a inauguração do sambódromo carioca, era o primeiro carnaval sem transmissão dos desfiles pela extinta Rede Manchete, tendo a Rede Globo comprado os direitos de transmissão.

A Marquês de Sapucaí para 1988 foi decorada com painéis em forma de losangos, somente na parte esquerda da pista, situação esta que nunca mais se repetiria.

Marquês de Sapucaí/RJ 1988
No carnaval carioca de 1988, quando se completava cem anos de assinatura da Lei Áurea, a Estação Primeira de Mangueira, trouxe para a pista da Marquês de Sapucaí o enredo “Cem anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão? ”, do carnavalesco Julio Matos.
O enredo da escola era contestador, ou no mínimo reflexivo, para que as pessoas pensassem sobre o momento da abolição da escravatura, se havia sido uma realidade ou apenas uma ilusão.
O samba de enredo da escola defendido pelo lendário Jamelão, de autoria dos compositores Hélio Turco, Alvinho e Jurandir, tinha uma força muito grande em seu refrão do meio, que dizia o seguinte:
“…Pergunte ao Criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela…”

 

 

Num trecho da sinopse apresentada pela escola, como justificativa para o enredo que seria apresentado, textualmente foi escrito o seguinte:
“Nos tempos modernos, a grande maioria negra passou a viver nas favelas devido à falta de estrutura dos pós libertação, tendo em vista que não lhe foi dado o mínimo para enfrentar a nova realidade social. A favela está pronta para explodir, como um barril de pólvora, com toda a comunidade sofrida, abandonada pelo poder público, apesar dos esforços atuais, no sentido de amenizar a situação que pouco refletem a realidade. Não bastam as obras faraônicas, o que importa são as soluções de curto prazo, com escolas, alimentação, condições mínimas para respirar e a abertura do mercado de trabalho para os negros. Hoje o negro enfrenta o pior racismo que existe no mundo: o racismo que existe no mundo: o racismo fechado. Mas com a união das comunidades das favelas e do asfalto, como já existe na Mangueira, breve estaremos todos juntos lutando apenas pelo ideal de ver nosso país livre e sem racismo.”
Com 5.300 componentes, distribuídos naquele carnaval em 53 alas e onze alegorias a Estação Primeira de Mangueira com este desfile contestador alcançou um vice-campeonato naquele carnaval carioca de 1988.
Encerrando o desfile das escolas de samba daquele ano, já na terça-feira de carnaval, a Mangueira vinha atrás de mais um tricampeonato, já que havia sido campeã nos carnavais de 1986 e 1987, cantando Caymmi e Carlos Drummond de Andrade respectivamente.
1986: Teve xinxim e acarajé em plena euforia, etcetera e tal ...
Estação Primeira de Mangueira 1986
O discurso proferido pelo ator Milton Gonçalves ainda na concentração da verde e rosa levou muitos às lágrimas, conclamando a escola a realizar um desfile cheio de garra, numa apologia contra o racismo instalado em nossa sociedade.
Estação Primeira de Mangueira 1988
Já no carro abre alas da verde e rosa vinha a lendária Dona Zica, viúva de Cartola, que sempre se notabilizou pela sua emoção extrema nos desfiles da escola.
Já na comissão de frente da Mangueira, quinze negros, entre homens e mulheres que se destacaram no seu campo de atuação, entre atores, atletas, repórteres, além de baluartes da própria Mangueira. Nesse grupo faltou Martinho da Vila, que estava anunciado como componente desta comissão de frente, fato este que pode ter feito com que a escola perdesse um ponto, o que tirou seu campeonato em favor da Unidos da Vila Isabel, uma das polêmicas deste carnaval.
O casal de mestre sala e porta bandeira Mocinha e Lilico, inesquecíveis figuras da história da Mangueira, apresentaram o pavilhão da escola com elegância e altivez.
Primeiro Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da Estação Primeira de Mangueira 1988
A bateria da agremiação, sob o comando dos mestres Taranta e Birinha, sustentou o canto e a dança de seus integrantes do início ao fim do desfile.
Com fantasias tradicionais, duzentas baianas da escola, trouxeram para a Marquês de Sapucaí as tradicionais cores da agremiação, estando a frente do carro dos orixás, retratando o tão falado sincretismo religioso a que foram submetidos os negros, para poderem continuar a cultuar as suas divindades africanas.
Estação Primeira de Mangueira 1988
Foi um desfile majestoso, marcado pelo luxo das fantasias e ótimo acabamento das alegorias da verde e rosa, mas o grande número de componentes obrigou a escola a uma corridinha no final de seu desfile, quando saiu da pista da Sapucaí como uma das favoritas ao título daquele ano, mesmo com o desfile perfeito da Vila Isabel, que trouxe o imbatível enredo “Kizomba, festa da Raça”.
Destacou-se neste desfile o fato de que praticamente todos os componentes da Mangueira empunhavam adereços de mão, que compunham seus figurinos, dando-lhes leveza e movimento.
Leci Brandão, neste ano comentarista da Rede Globo, num momento de empolgação chegou a cantar ao vivo o refrão do samba da Mangueira, sua escola do coração no Rio de Janeiro.
Como não poderia deixar de ser, pela grande contribuição negra e mulata para essa grande festa, a alegoria do carnaval encerrava o desfile da verde e rosa, trazendo grandes e tradicionais figuras da história da Mangueira.

Unidos de Vila Isabel 1988 – “Kizomba, Festa da Raça”
O Estandarte de Ouro do Jornal O Globo, não premiou a verde e rosa naquele carnaval em nenhuma das categorias avaliadas, tendo sido a Unidos de Vila Isabel a escola mais foi premiada pelo corpo de jurados naquele carnaval.
Beija Flor de Nilópolis 1988
Terminada a apuração a Unidos de Vila Isabel foi aclamada como campeã, seguida pela Estação Primeira de Mangueira e pela Beija Flor de Nilópolis.
O desfile das campeãs acabou não acontecendo nesse ano de 1988 em função de enchentes que assolaram o estado do Rio de Janeiro, com 78 mortes só na capital.
Passado o centenário da abolição da escravatura, já que hoje se está chegando aos 132 anos desde a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, a mesma indagação da verde e rosa se faz ainda tão atual – Abolição da Escravatura, Liberdade – Realidade ou Ilusão?
Por Sidnei Louro Jorge Júnior
Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp