Era Março de 2020, eu como todo sambista, ainda em transe pelo deleite da “Lagoa de Abaeté“, com a magia de “Elza Soares” sob as bênçãos de “Tatalondirá“, não me atentava para o inimigo invisível que já estava em terras brasileiras e seria o responsável por uma das decisões mais difíceis que um amante das escolas de samba poderia aceitar – O adiamento dos Desfiles em 2021.
Naquele mês, como agora, não tínhamos obrigação alguma de saber o que fazer caso a situação piorasse. Quem representa a festa e as Escolas, sim. Porém o que se observa é que grandes enredos foram lançados, sambas estão em disputa (compositores se infectando), trabalhos voluntários sendo feito para sustentar os que fazem o carnaval do Rio e quem institucionalmente o representa, dorme na inércia de não saber o que fazer de forma concreta.
Ainda sob efeito do frenesi causado pelo grande espetáculo apresentado em 2020, as agremiações cariocas começaram a soltar seus próximos enredos um mês depois do ultimo desfile. O que causou expectativas que 2021 seria um ano espetacular em relação as escolhas anunciadas.
A Unidos de Vila Isabel, inflamada pelo sucesso causado pela “mulher do fim do mundo” no ultimo desfile da Mocidade, soltou sem mais delongas que o próximo ano seria em homenagem a seu presidente de honra, Martinho da Vila. O enredo por si já tem cara de “melhor do ano” e sob a supervisão do carnavalesco Edson Pereira, tenho certeza. A classe dos sambistas (não somente torcedores da azul e Branco do bairro de Noel) eu, assim como toda imprensa, vibramos pois Martinho já tinha recebido referências em diversos desfiles anteriores da Vila, mas nunca foi um enredo propriamente dito. Tudo se desenhava para um grande ano, mas faltava outras onze anunciarem seus enredos.
O surto do novo Coronavirus se tornou real no Brasil ainda em Março, quando os óbitos viraram noticias e nasceu o fenômeno “fica em casa, vai passar“. Sem muitas informações, muitos assim como eu, achavam que em alguns meses o mundo daria uma resposta a altura da audácia de um hospedeiro microscópico que matava pessoas em dias e sem chances de reação. A Unidos do Viradouro aproveita aquele momento de tensão, incertezas e lança, no mês de Abril, o enredo “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria“. O enredo bebe na fonte do ocorrido no Carnaval de 1919, pós Gripe Espanhola. Talvez o enredo mais pertinente de todos os que viriam a ser anunciados posteriormente. A alma deste tema é a esperança que em 2021 faríamos “O maior Carnaval de todos os tempos“, assim como foi aquele há mais de um século atrás. Quando vamos sair as ruas de forma desvairada como em 1919? Infelizmente ainda não sabemos quando a alegria vencerá tanta tristeza (998.696 mortes no mundo até a publicação deste texto). E quem organiza o carnaval fez o obvio, adiar. Mas o que fazer com as ideias lançadas, e o prazer da surpresa? Mais adiante falo sobre e o fazer com vive do carnaval, porque um desfile de escola de samba não se resume a dois dias.
A vice campeã Acadêmicos do Grande Rio me fez cair do sofá ao anunciar “Fala, Majeté!”. Não preciso falar muita coisa pois Exu é necessário, Haddad e Bora são necessários e a tricolor de Caxias macumbeira é necessária. Lembro que eu como muitos queriam ver a figura de Estamira Gomes de Sousa – aquela que falava com Exu ao telefone – retratada artisticamente na avenida Marques de Sapucaí. E estes dois jovens, e mais uma vez necessários, carnavalescos foram ousados em anunciar este enredo, em abril. Surtado, mandei uma mensagem ao carnavalesco agradecendo por elevar mais ainda o nível de um ano que já se desenhava como mágico.
No mês seguinte, Maio, a Paraiso do Tuiuti acena com o enredo “Soltando os bichos“, confesso que não me animei. Porem saber que Paulo Barros estava por trás da ideia me deixou curioso para assistir uma possível redenção tanto da agremiação amarelo e azul quanto do artista que anda mordido por ter assinado um vexame em 2020. Mato minha curiosidade em algum dia de algum mês de 2021.
A Mocidade Independente de Padre Miguel, confiante após o honroso terceiro lugar, anunciou no final de Março que ia entrar de “corpo e alma“, desta vez, em um terreiro. Contratou o corajoso carnavalesco Fabio Ricardo que de cara lançou “Batuque ao Caçador”, trazendo o orixá Oxóssi como figura central do seu enredo para um indefinido carnaval 2021. Após tantos anos sem se vestir de afro, quem não estava ansioso para ver isso na avenida? Devemos perguntar a LIESA quando será possível.
Por falar em afro, a lendária Portela também prometia retirar os cocas indígenas de 2020 e fazer um cortejo afro com a assinatura dos mestres Renato e Marcia Lage. Para ter uma ideia da expectativa por este desfile, a Portela não faz um enredo afro na essência desde 1972 com “Ilu Ayê”. O enredo “Igi Osè Baobá” será assistido quando? Não sabemos.
Acadêmicos do Salgueiro, Beija Flor de Nilópolis e São Clemente, anunciaram seus respectivos e necessários enredos “Resistência”, “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”, “Ubuntu” nos últimos meses. Penso aqui, o porque do Salgueiro confiar e abrir disputa de samba? Para que serviu a Beija Flor anunciar a bela sinopse assinada por Joao Gustavo Melo? E a São Clemente anunciar um belo tema sobre a ética social africana?
Se Imperatriz Leopoldinense, Estação Primeira de Mangueira e Unidos da Tijuca foram mais espertas e não se arriscaram para nada, não sei. O que sei é que diversos setores da Industria se reinventaram e no caso de quem cuida dos desfiles das escolas de samba, um sono profundo. Exemplo disso foi a ultima plenária realizada no ultimo dia 24. Adiar foi a decisão esperada, mas voltar a dormir é inaceitável.
Não sabemos o que a instituição que cuida escolas de samba do Rio pensa, mas sabemos que um espetáculo desta grandeza não se resume a decidir datas. Temos profissionais sem respostas. Existe data para reabertura de quadras, enquanto trabalhos solidários sustentam os profissionais do carnaval. A grande pergunta a ser feita é: Porque lançamos enredos e abrimos disputas de samba se no reino fantástico da liga todos agem como 12 pontos de interrogação?
Diferente de quem vive neste mundo fantástico da falta de decisão em relação a grandes desfiles de escolas de samba, não creio nada aconteça antes de 2022. Lamento muito e preferia não saber dos enredos anunciados porque sei da luta de quem faz. O ano de 2021 se desenhava como um grande ano e era a volta de grandes enredos no carnaval do Rio de Janeiro. Como foi dito no inicio, a obrigação de saber o que fazer relação ao carnaval enquanto uma crise sanitária acontecia no mundo, não era e nunca foi responsabilidade nossa.
A nossa torcida sempre será valida e se resume até ai, pois não decidimos nada. Só podemos ajudar nossos amigos que fazem carnaval através de ações sociais. Vendo a situação atual volto ao samba para me confortar “Quem me viu chorar, vai me ver sorrir pode acreditar….“
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