RJ – Beija Flor de Agotime e componentes incorporaram o espírito do enredo de 2001

Em 2001 a Beija-Flor escolheu um enredo de temática negra, “A saga de Agotime — Maria Mineira Naê”, sobre Agotime, uma rainha africana que virou escrava no Brasil.

Última escola do primeiro dia de desfiles, a escola pisou na passarela pouco antes do amanhecer e fez uma apresentação brilhante, que a credenciou de cara como candidata fortíssima ao título.

Agotime foi rainha de Abomey (atual Benin), que teria chegado à Bahia como escrava, retomando sua soberania e fé com o ouro que conseguiu guardar trabalhando na mineração. Por fim, teria fundado em São Luís do Maranhão a Casa das Minas, do culto aos voduns, entidades de sua religião. Outrora rainha, a protagonista foi vendida como escrava pelo enteado Adandoza, que queria tirar de cena Gezo, filho dela e seu meio-irmão, com quem disputou o trono. De etnia jeje, conhece a cultura iorubá ao chegar a Salvador, mas se mantém fiel às suas raízes e é recompensada ao final.

O samba-enredo, de Deo, Caruso, Cleber e Osmar, era eficiente e bem casado com o enredo.

 

Na comissão de frente, mulheres faziam uma coreografia em que uma, escondida pelas demais, trocava de roupa e aparecia subitamente transformada numa pantera, para delírio do público. O animal, que não se deixa aprisionar, não foi escolhido por acaso: fascina por sua beleza selvagem mas mete medo. Da mesma forma que o pouco conhecido culto aos voduns.

O abre-alas, o palácio de Agotime e do rei Agongolo, que, diz a lenda, ficava sobre o estômago de uma serpente. Assim como todo visual plástico da escola era Decorado com palhas, presas de elefantes e peles de animais de muitas cores. Além de material rústico, também havia espelhos, paetês e estrasse nas fantasias representando o bumba meu boi do Maranhão e a mineração.

O carro “A Feitiçaria” também era impressionante, com uma enorme cabeça de boi, coloração forte e componentes realizando coreografias

A Beija-Flor garante que era tudo verdade naquele enredo que envolveu a Sapucaí. No  desfile, os componentes estavam tão exaltados que em alguns momentos achou-se que existia uma espécie transe, como na ala de abertura com as pretas velhas.

Muita gente aposta até hoje que elas entraram na Marquês de Sapucaí incorporadas. Impossível crer que aquelas senhoras estivessem em condição normal, tamanha a veracidade com que encarnaram, à frente do abre-alas, o papel de narradoras do enredo da Beija-Flor de 2001. De bengala, cachimbo e guia (colar nas cores das entidades espirituais) no pescoço, elas estavam curvadas e abriram caminho para um desfile mágico. É claro que não só elas como todos os componentes incorporaram o espírito daquele enredo com milhões de motivos para tirar os sambistas do normal.

O público, mesmo cansado, teimou em ficar para assistir à passagem da escola e consagrou a Azul e Branco com os gritos de “campeã” na Apoteose.

O feitiço da Beija-Flor envolveu muita gente, mas não o júri oficial, que preferiu a Imperatriz Leopoldinense, tricampeã com 10 de ponta a ponta e vantagem de meio ponto sobre a escola de Nilópolis, que tirou um 9,5 em alegorias e adereços e nota máxima nos demais quesitos. O resultado causou polêmica porque a escola de Ramos não foi apontada como a favorita, e seu patrono, Luiz Pacheco Drumond, era o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba. Levantou-se a suspeita, jamais comprovada, de que ele teria pressionado os jurados.

O Estandarte de Ouro se rendeu a Beija-Flor, que levou o prêmio nas categorias melhor escola e melhor enredo. Pesou na decisão do júri do GLOBO o fato de a escola dar visibilidade a uma personagem negra marginalizada pela História oficial, assim como o Salgueiro com “Xica da Silva” (1964), “Chico-Rei” (1964) e “Festa para um rei negro” (1971).

Por Waldir Tavares
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