Considerado obra prima o samba “Exaltação à Tiradentes”, de autoria de Mano Décio da Viola, Estanisláu Silva e Penteado, rendeu o Bi-campeonato à escola da Serrinha no carnaval de 1949.
O Império Serrano, fundado três anos antes, em 1947, resultado de uma cisão da Prazer da Serrinha, viria a partir desta vitória consolidar-se como a terceira força do carnaval carioca e talvez a principal escola dos anos 50.
De acordo com levantamento feito pela psicóloga francesa Monique Augras em seu livro O Brasil do Samba-Enredo (FGV, 1998), Tiradentes foi o vulto nacional mais citado em sambas-enredo no período em que as escolas de samba eram obrigadas a abordar temas da História nacional (1948-75).
Mas foi só uma vez que o herói teve uma homenagem exclusiva. No bicampeonato do Império Serrano, em 1949, com o antológico “Exaltação a Tiradentes” (Mano Décio da Viola – Penteado – Estanislau Silva): “Joaquim José da Silva Xavier/ Morreu a 21 de abril/ Pela independência do Brasil/ Foi traído e não traiu jamais/ A inconfidência de Minas Gerais“.
Mano Décio tinha especial apreço pelo alferes, pois já no ano anterior apresentara, junto com Silas de Oliveira, nada menos que 3 sambas sobre ele. A escola preferiu apostar no tema “Antônio Castro Alves” (Altamiro Maio – Comprido). Mas 49 foi o ano de “Exaltação a Tiradentes”, apresentado por Mano Décio e Penteado num ensaio que arrebatou a escola. Estanislau entrou na parceria porque, tendo ouvido o samba, foi a Madureira pedir autorização para divulgá-lo no asfalto. Desta forma, foi o primeiro samba-enredo que sobreviveu ao desfile, sendo gravado por Roberto Silva apenas como “Tiradentes” e voltando a fazer sucesso no carnaval de 1955.
Ao falar do carnaval de 1949 e da vitória do Império Serrano se faz necessário resgatar alguns fatos que se passavam durante à época e o envolvimento da política no samba, que levou a disputas e rachas nas organizações das escolas desde os anos anteriores.
Após terminar o carnaval de 1946 na décima primeira colocação, a Prazer da Serrinha entrou com um recurso junto à UGES (União Geral das Escolas de samba) solicitando a anulação do concurso, alegando que a entidade não cumpriu o regulamento ao deixar de anunciar o resultado da competição no prazo previsto.
A crise da Prazer da Serrinha e o mau resultado tiveram origem numa decisão tomada por Alfredo Costa, seu presidente, que, por um desentendimento pessoal com Mano Décio da Viola, resolveu que a escola se apresentaria cantando o samba “Alto da colina” e não o samba-enredo “A Conferência de São Francisco”, de autoria de Mano Décio e Silas de Oliveira.
Havia uma enorme expectativa dentro da escola quanto aos bons resultados que deveria colher em 1946, em parte pelo fato de que ela não desfilava desde 1942 e para o qual deve ter sido decisiva a falta de recursos financeiros característica dos anos de guerra. Bem como parte de toda animação deve ser atribuída à transferência para a Serrinha de dois portelenses ilustres: Antônio Caetano e Lino Manoel dos Reis. Os dois saíram da Portela com o enredo “A Conferência de São Francisco” e o ofereceram para a escola de Alfredo Costa, que deu carta branca para que ambos o desenvolvessem.
Mano Décio, que havia estreitado suas relações com Caetano ao frequentar a Portela, foi indicado por este para compor o samba daquele ano, embora a contragosto, pois não costumava dividir decisões com ninguém. Alfredo Costa aceitou a sugestão de Caetano. Por sua vez, Mano Décio convidou Silas de Oliveira para com ele partilhar tal incumbência.
O resultado da obra agradou a toda escola, porém se cantava muito naquela época um samba de terreiro chamado “Alto da colina”, composto pelo sambista Albano, amigo de Alfredo Costa. Num desses ensaios, Mano Décio, como era costume, fez alguns improvisos em cima do samba que desgostou a Albano. Este se queixou do fato a Alfredo Costa. O presidente enfurecido dirigiu-se a Mano Décio e ordenou o final do ensaio, no que foi atendido sem maiores discussões.
No dia do desfile, Alfredo Costa determinou a substituição do samba-enredo “ A Conferência de São Francisco” pelo samba de terreiro de Albano. O resultado foi que metade da escola cantou o primeiro samba e a outra o segundo samba, fazendo uma apresentação incompreensível e responsável pela péssima colocação da escola no concurso. Como conseqüência deste trauma, surgiria uma dissidência, cuja única alternativa foi a fundação de uma nova escola, a Império Serrano, em 1947.
Sebastião de Oliveira, o Molequinho, com seus irmãos, compadres e amigos haviam resolvido fundar uma escola de samba que fosse inovadora em tudo, principalmente na questão de ninguém poder dar ordens que não admitissem discussão, de ninguém ter de abaixar a cabeça mesmo sem concordar. Adeus, seu Alfredo Costa. Adeus, Prazer da Serrinha. Agora todo mundo vai poder opinar, todo mundo vai querer ser ouvido: nascia o Império Serrano. Era 23 de março de 1947.
Foi na casa da Dona Eulália, na Rua Balaiada, no coração do morro da Serrinha, que a ideia de Molequinho se tornou realidade: saiu reunindo num caderno as assinaturas dos que o apoiavam. O nome foi sugerido por ele, mas na escolha das cores ele foi voto vencido – era, enfim, a democracia que chegava – e prevaleceu a sugestão do compositor Antenor, pintando de verde e branco o morro da Serrinha, o subúrbio de Madureira e o carnaval carioca.
Já os fatos políticos que agitavam este período se davam pelo retorno a legalidade do Partido Comunista Brasileiro (PCB), após o fim do Estado Novo, quando o partido começa a reaproximar-se novamente das agremiações carnavalescas.
Quando foi posto na legalidade, o PCB se tornou a maior organização comunista da América Latina.
Alguns setores das classes trabalhadoras ligadas ao samba já vivenciavam, em 1949, uma aproximação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) com a União Geral das Escolas de Samba, afinidade que levou seus opositores a apelidarem a entidade carnavalesca de “União das Escolas de Samba Soviéticas”. Esse fator foi determinante para o poder público criar a Federação Brasileira de Escolas de Samba em 1947 e, no ano seguinte, sob a administração do prefeito Ângelo Mendes de Moraes (1947 – 1951), limitar a distribuição de verbas apenas para as escolas filiadas à nova associação.
Naquela época o PCB havia criado o jornal Tribuna Popular como seu órgão oficial de imprensa e o mesmo promoveu em 15 de novembro de 1946, no campo de São Cristóvão, um desfile entre escolas de samba, em comemoração do aniversário da República, que acabou em uma grande homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes.
Em 1948, a comissão julgadora dos desfiles das escolas de samba, indicada pela prefeitura, contou com a participação de Irênio Delgado, amplamente conhecido por sua simpatia a Império Serrano, que viria a ser consagrada campeã daquele carnaval, apenas um ano após sua fundação. Tal fato fez com que algumas escolas filiadas à Federação retornassem à União no ano seguinte, gerando uma cisão que desembocaria na existência de dois desfiles em 1949.
Embora a Império Serrano possuísse grandes talentos, que por si só justificariam seu triunfo, a realidade é que com a presença de Irênio Delgado no júri dificilmente o resultado poderia ser outro, já que, segundo suas próprias palavras: “no amor e na guerra não há meias medidas. E o meu relacionamento com o Império Serrano é um caso de amor. E de guerra, é claro!”
Os estragos feitos após o triunfo da Império Serrano foram imensos. Principalmente por parte da Mangueira e, sobretudo, da Portela.
Com a eleição de Irênio Delgado para a presidência da Federação Brasileira de Escolas de Samba para o biênio 1949-1950 os estragos se ampliaram mais ainda, de modo que Portela e Mangueira se desligaram da federação e promoveram o renascimento da UGES, no que foram seguidas por outras escolas. Assim, enfrentaram a dura condição de não participarem do desfile oficial e não receberam qualquer ajuda da prefeitura.
Com o objetivo de minimizar os conflitos, o major Paredes dedicou o desfile de 1949 ao Presidente Dutra e tentou estabelecer a paz entre as escolas. Porém, os dirigentes da Portela e da Mangueira se recusaram a qualquer aproximação com a Federação Brasileira das Escolas de Samba, alegando que enquanto esta fosse dominada por Irênio Delgado, os resultados dos desfiles seriam um jogo de cartas marcadas em benefício da Império Serrano, embora eles não negassem as qualidades da adversária, que, por sinal, naquele ano seriam confirmadas pela apresentação do antológico samba-enredo “Exaltação a Tiradentes”.
A partir deste ano até 1951, são realizados dois desfiles: um oficial e um não-oficial. O desfile oficial é ligado à prefeitura e tem como principal escola a Império Serrano. As dissidentes Portela e Mangueira fazem o desfile não-oficial, sem verba alguma. O desfile oficial é realizado na avenida Presidente Vargas e o não-oficial, na praça Onze.
No desfile realizado na avenida presidente Vargas a Império Serrano sagrou-se mais uma vez campeã do carnaval, fato que se repetiria pelos anos seguintes de 1950 e 1951 A Mangueira é campeã do desfile não-oficial com Apoteose ao Mestre.
Falando da figura histórica de Tiradentes exaltada nesta obra, a magnífica letra do samba explica de forma objetiva e digna o papel e a importância deste que é, até hoje, celebrado como mártir do Brasil e símbolo da coragem e da luta de nosso povo por sua liberdade.
O dia de sua execução, 21 de abril, é feriado nacional. A cidade mineira de Tiradentes, antiga Vila de São José do Rio das Mortes, foi renomeada em sua homenagem. Seu nome está inscrito no Livro dos Heróis da Pátria desde 21 de abril de 1992.
Por Waldir Tavares
Fonte: Nelson da Nóbrega Fernandes - Escolas de samba: Sujeitos celebrantes e objetos celebrados – Memória carioca Vol. 3. Site oficial do G.R.E.S. Império Serrano - http://www.imperioserrano.com/historia.html