RJ – Exaltados ou criticados, conheça a relação das Escolas de samba com chefes do Poder Executivo na história do Brasil

O histórico da relação entre a organização Escola de Samba e a ideologia política ou o regime vigente no Brasil sofreram muitas oscilações. Ao longo dos anos, chefes do estado brasileiro já foram aclamados e demonizados nos desfiles. Do outro lado, as escolas já foram utilizadas para interesses de autopromoção política. Desde suas fundações, nos anos 20, a figura do Presidente da República, de uma forma ou de outra, sempre esteve ligada nas transformações das primeiras agremiações.

Estabelecido no Brasil com a queda da Monarquia e a Proclamação da República, em 1889, o regime presidencialista desde então contou com 36 Chefes de Estado no comando do Poder Executivo, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva, que toma posse para exercer seu terceiro mandato no primeiro dia do ano de 2023.

Era Vargas

Mangueira 1933 – “Evocaram esses vultos, Prestando-lhes cultos… Sorrindo a cantar

Consolidadas após o primeiro desfile em 1931, as escolas de sambra sofreram influencia do poder de um chefe de estado pouco tempo depois. A União das Escolas de Samba, no intuito de agradar Getúlio Vargas, que governou o país entre 1930-1945 e 1951-1954, decidiu criar algumas regras carnavalescas com ideário nacionalista que definisse a identidade brasileira e estimulasse os sentimentos patrióticos. A organização determinou a exigência onde os enredos só podiam retratar assuntos nacionais.

O discurso nacionalista nas letras dos sambas era uma forma de conseguir aceitação, já que compreendiam a aproximação com o governo e a possibilidade de legitimidade social para o contingente negro e favelado que compunha quase a totalidade dos componentes das escolas. O regulamento se estendeu por quase três décadas.

Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, mesmo já tendo declarado guerra à Alemanha, Getulio ainda resistia a pressão popular para a entrada oficial do Brasil no conflito contra as Potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), regimes que o Brasil mantinha relações estreitas até pouco tempo antes do conflito mundial. No carnaval deste mesmo ano, a Portela, inflamada pelo movimento pró combate, desfilou com o enredo “Carnaval de Guerra“, defendendo a entrada do Brasil no conflito bélico. O tema, que deu a Portela seu quinto título, foi desenvolvido pela Liga da Defesa Nacional. Um ano depois, Getúlio cedeu, entrando oficialmente no campo de batalha, ao lado de Estados Unidos, Inglaterra, União Soviética e as resistências civis-militares de países Invadidos pelos regimes Nazi-Facistas e Imperial Nipônico.

No carnaval pós Guerra, apesar de algum início de mudança, vindo principalmente do já revolucionário Academicos do Salgueiro, somente durante a Ditadura Militar (1964-1985) ocorre das escolas, em sua maioria, passarem a temas sobre personagens culturamente conhecidos, movimentos populares e crítica social. Ironicamente o mesmo Salgueiro, fez uma controversa homenagem a ditadura de Vargas no seu desfile de 1985.

Carnaval 1985 da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro – “Anos trinta, vento sul, Exaltação a Vargas”.

Anos de Chumbo e o controle da Ditadura Militar

Império Serrano 1964 – “Ô ô ô Liberdade Senhor”

Inciado após o golpe de 1964, o período conhecido como ditadura militar durou até 1985, com o fim do mandato do General João Batista Figueredo, históricamente estabelecido como um regime de terror e perseguição social, moral e cultural no Brasil. Nesta fase as escolas de samba usaram e abusaram de sambas com a palavra “Liberdade“, mesmo diante de um regime que censurou e influenciou enredos, através da atuação dos órgãos mediadores, em consequência de temas considerados controversos ou questionadores na visão dura dos militares.

Em 1969, ano do nocivo e esquecível decreto AI-5, a letra do samba Heróis da Liberdade, do Império Serrano sofreu alterações para ser liberada pela censura. Mesmo com enredos corajosos como o do Império, agremiações como a Beija-Flor de Nilópolis se prestavam ao trabalho de promover o regime ditatorial dos generais autoritários. Caso do carnaval de 1974, quando a escola da Baixada Fluminense exaltou programas governamentais dos militares com o enredo “Grande Decênio”.

Era Sambódromo e a abertura política no país

Caprichosos de Pilares 1985 – “Bota, bota, bota fogo nisso

Inaugurado em 1984, na fase final da abertura política e do esfacelamento da ditadura militar, a Passarela Professor Darcy Ribeiro, popularmente conhecida como Sambódromo da Marquês de Sapucaí, recebeu vários presidentes democraticamente eleitos no Brasil.

Inaugurado em 1984, na fase final da abertura política e do esfacelamento da ditadura militar, a Passarela Professor Darcy Ribeiro, popularmente conhecida como Sambódromo da Marquês de Sapucaí, recebeu vários presidentes democraticamente eleitos no Brasil. O carnaval entrava na fase do prestígio das escolas de samba cariocas por parte do poder público. Já na fase de seu gigantismo, berço de celebridades, marcadas como protagonistas do maior espetáculo da terra.

Obras em 1983 – Reprodução

No inicio da Era do novo sambódromo, as escolas de samba já estavam libertas para fazer suas críticas sociais. Principalmente São Clemente e Caprichosos de Pilares, as protagonistas da fase de ouro dos enredos satíricos politicos. Em meio à campanha das “Diretas Já“, em 1985 a Caprichosos cantou o enredo “E por falar em saudade”, escancarando a saudade da época em que escolhia, através de voto popular, o Presidente da República. Meses antes, Tancredo Neves havia sido eleito, ainda de forma indireta. 

Teve escândalo, Madonna e casamento – Presidentes na Avenida

Beija Flor 2003 – “Eu quero liberdade, dignidade e união

Então presidente, em 1994, Itamar Franco foi o primeiro chefe de estado do Brasil a assitir os desfiles no sambódromo na Marquês de Sapucaí. O fato marcou negativamente o final do mandato do político que assumiu o poder após o afastamento de Fernando Collor, por corrupção.

Revista Manchete – Edição 2185 de 1994

Muito aplaudida no desfile de 94, a modelo e atriz Lilian Ramos foi convidada para estar camarote presidencial. Alegando desconforto, a destaque se livrou da parte de baixo da fantasia e foi encontrar o Presidente. A polêmica começou após a modelo ser flagrada sem calcinha ao lado do chefe do estado brasileiro. De alguma forma sua genitália ficou exposta e o momento foi registrado por fotógrafos dos mais importantes jornais e revistas do país. Em decorrência do caso, o impeachment de Itamar chegou a ser discutido.

No carnaval de 2003, a Beija Flor de Nilópolis levou para a avenida o enredo “O Povo Conta a Sua História: Saco Vazio Não Para Em Pé (A Mão Que Faz a Guerra Faz a Paz)“. O tema exaltava as lutas do povo, entre elas a guerra contra a fome, tendo como homenageadoprincipal, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Líder do Partido dos trabalhadores estava em seu primeiro ano como Presidente, após perder as três eleições anteriores.

O desfile apresentou uma escultura do chefe de estado, medindo 9,5 m de altura. A alegoria desfilou no último carro, intitulado “O Banquete de um Brasil Sonhado“, uma homenagem ao programa de combate a miséria, o”Fome Zero“. Apesar da grande cobertura da mídia, o preseidente não assistiu o desfile do sambódromo.

Passados 15 anos depois do episódio de Itamar Franco com a modelo Lilian Ramos, um presidente da República voltaria à Sapucaí. Em seu segundo mandado seguido, em 2009 Lula assitiu, ao lado da Primeira Dama, Marisa Letícia (In Memorian), os desfiles da avenida. Na ocasião o político foi padrinho do casamento, realizado na avenida, do intérprete Neguinho da Beija-Flor com Andreia. Durante o desfile da azul e branca da baixada, o cantor chegou a dizer o nome do presidente várias vezes durante a execução do samba.

Tendo Lula como Padrinho, Neguinho da Beija Flo oficializou a união civil com Andreia em plena Marquês de Sapucaí – Reprodução

Com objetivo de ganhar popularidade durante a pré-candidatura nas eleições de 2010, Dilma Rousseff, foi ao sambódromo no Rio assistir os desfiles daquele ano, ainda na condição de pré candidata e Ministra-chefe da Casa Civil. No camarote, a futura sucessora de Lula e primeira mulher mandante do poder executivo no Brasil, dividiu as atenções com a cantora Madonna, convidada internacional do então Governador do Rio, Sérgio Cabral.

Madonna com, o então governador, Sérgio Cabral e Dilma Rousseff, em 2010 – Foto: Reuters

Fernando Henrique Cardoso, Presidente do Brasil no período de 1995-2003, assistiu a desfiles no Sambódromo da Sapucaí em 2013. Mesmo sem estar à frente da nação, na ocasião, disse em entrevista à TV responsável pela transmissão da folia, que adorava samba e que era Mangueirense. “Eu adoro isso, ver essa gente formidável“, comentou. Desde então, não houve mais presença de Presidentes do Brasil na avenida.

A volta dos carnavais com Crítica Politica

São Clemente 1995 – “Da Crítica eu fiz o meu Caminho”

Na era Sambódromo também houve espaço para críticas explícitas a quem já passou pelo Palácio do Planalto. Em 2016, a Mocidade Independente de Padre Miguel fez um desfile com diversas referências a corrupção no país. A comissão de frente era composta com personagens sem rosto que eram presos em pleno desfile. Em destaque e vestida de vermelho, umas das figuras fazia clara referência à então presidente Dilma Rousseff, que passava por processo de impeachment. Concretizado meses depois, acarretando no afastamento da Presidente.

Foto Riotur

Com a conclusão do impeachment de Dilma, em 2016, Michel Temer, assumiu a presidencia do País, governando até o final de de 2018. Em seu último ano de mandado, a Beija-Flor conquistou o título do Grupo Especial, chocando o público com “Monstro é aquele que não sabe amar: os filhos abandonados da pátria que os pariu”. Um desfile de tom político que vomitou críticas à corrupção no Brasil, através de fantasias que retratavam impostos altos, corrupção nas instituições públicas, políticos representados como ratos, e a violência com representações de sepultamentos e mães chorando por seus filhos mortos. No final do desfile, uma mar de pessoas invadiu o final do desfile para cantar o samba, mesmo após horas do término do desfile.

Prédio da Petrobrás retratado como ratoeira no desfile da Beija Flor – Reprodução

No mesmo ano, a vice campeã do carnaval, Paraíso do Tuiuti, também optou por criticar o modelo político-social brasileiro, ao recontar a história da escravidão no País. A agremiação entrou para os noticiários, nacionais e internacionais, ao retratar manifestantes de verde e amarelo vestidos de pato, manipulados por um “presidente vampiro neoliberal“, claramente inspirado no Presidente Michel Temer, que havia destinado R$ 8 milhões para a realização do carnaval das escolas do Rio. Asessores da presidência da República pediram, sem sucesso, à Liesa que impedisse a entrada do persongem. A polemica foi tamanha, que o professor Léo Moraes, que interpretou o personagem, não usou a faixa presidencial no desfile das campeãs por receio de represálias.

O “Vampirão” Léo Moraes na Tuiuti – Reprodução

Eleito Presidente da Republica no ano de 2019, com mandato até o final de 2022, Jair Bolsonaro fez retornar o hábito das manifestações explícitas através das letras dos samba-enredo das escolas de samba do Rio. Sob o enredo A Verdade vos Fará Livre, no carnaval de 2020, a Estação Primeira de Mangueira versou e cantou Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem messias de arma na mão”. Uma crítica a politica de armamento da população, tão defendida no Governo Bolsonaro. No mesmo carnaval, a Portela cantou Nossa aldeia é sem partido ou facção/ Não tem bispo, nem se curva a capitão”. Mais uma manifestação contrária as políticas do Presidente que se despede do cargo.

Post no Twitter do Senador Fabiano Contarato (PT/ES) sobre trechos da obra mangueirense de 2020 – Reprodução

Ainda em 2020, a São Clemente, no Grupo Especial, e a Academicos do Vigário Geral, na Série Ouro, levaram para a avenida enredos com o mesmo nome – “O conto do Vigário”. Ambas mostraram, de várias formas, a origem dos primeiros “golpes e trambiques” no Brasil. Não faltou espaço para duras criticas ao Presidente Jair Messias Bolsonaro. A primeira convidou o ator Marcelo Adnet para, de forma irreverente, desfilar de forma irreverente representando o ent!ão Presidente da República.

Marcelo Adnet – Reprodução

O Acadêmicos do Vigário Geral destacou a figura presidencial no tripé intitulado “Carnaval também é protesto”. A alegoria trazia a figura de um palhaço que representava gestos de armas em suas mãos, outra clara alusão a política de armamento pauatada no Governo do Presidente Bolsonaro.

Uma nova fase ?

São Clemente 1990 – “Mas o show tem que continuar”

Devido à pandemia, no governo de Jair Messias Bolsonaro, os desfiles das escolas de samba no Rio ocorreu apenas nos anos de 2019 e 2020. Diferente da participação de outros Presidentes que o antecederam, o Presidente que se despede do palácio do planalto, sempre deixou clara sua visão sobre o movimento cultural em questão. Inclusive já associou, em suas redes sociais, a festa momesca com práticas sexuais e promiscuidade.

Em 2019 o Presidente Bolsonaro publicou um video onde pessoas urinavam no carnaval e logo depois fez questionamentos sobre práticas sexuais com urina

Em seu terceiro mandato à frente do país, e faltando menos de dois meses para o carnaval de 2023, resta saber se Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em Outubro passado, topa retornar, em Fevereiro do próximo ano, ao palco onde o povo do Brasil realiza o maior cortejo cultural das comunidades em todo Mundo. A história será a mesma dos seus dois ultimos mandatos presidenciais? Ou o templo do samba não cabe receber tais personagens?

Em entrevista ao Portal Metrópoles em 2021, Jorge Perlingeiro, Presidente da Liga das escolas de samba do Rio de Janeiro, defendeu a Presença de Chefes do Executivo na avenida.A Liga não tem bandeira e nem ideologia, não é nosso intuito fazer críticas a quem quer que seja, direita, esquerda, nada”, argumentou.

Com ou sem Presidente na avenida dos desfiles, cabe ressaltar que no campo de políticas públicas, projetos do movimento carnavalesco só foram reconhecidos como arte passível de financiamento Federal no ano de 2022, através de editais com a Lei Aldir Blanc. Ou seja, 88 anos depois do primeiro desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro.

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