Até o inicio dos anos 90, o tradicional estilo de Comissão de Frente composta por baluartes e figuras com raízes nas Escolas de Samba ainda arrancavam boas notas dos julgadores, muito pela simpatia destes grandes nomes que, carregados de história, causavam emoção no inicio de escolas como Estação Primeira de Mangueira e Portela.
No meio disso, surgia algumas ideias ousadas, como os escafandristas que Jeronymo da Portela levou para abrir o desfile campeão da Mocidade Independente de Padre Miguel,”Chuê Chuá, as Águas Vão Rolar”, em 1991.
No ano seguinte, Fabio de Mello, seria o responsável por inovar de vez o quesito com suas coreografias elaboradas e efeitos causados pela dança contemporânea em junção com a clássica. A parceria com a carnavalesca Rosa Magalhães, iniciada em 1992, se mostrou vitoriosa e imbatível. Juntos foram pentacampeões na Imperatriz Leopoldinense, nos anos de 1994, 1995, 1999, 2000 e 2001.
Fábio de Mello se tornaria o coreógrafo maior vencedor do premio Estandarte de Ouro no carnaval carioca, tendo sido seis pela Imperatriz Leopoldinense e um pela Mocidade Independente de Padre Miguel. Na Imperatriz chegou a ficar 11 anos sem tirar qualquer nota diferente de dez, um recorde até hoje.
Fábio é formado pelo Conservatório de Amsterdam como coreógrafo e encenador de espetáculos de dança, teatro e ópera e já recebeu os maiores prêmios da cultura nacional em sua área de atuação. Fundador e diretor do Ballet Contemporâneo do Rio de Janeiro, coreógrafo e diretor de Ana Botafogo e de todos os primeiros bailarinos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro como Marcelo Misailidis e Aurea Hammerli,. Parceiro de Hans Donner em criação e direção nas aberturas da TV Globo; parceiro do diretor teatral Sérgio Britto em inúmeras montagens teatrais e musicais, além de ter dirigido diversos espéculos de dança.
ABAIXO A BREVE HISTÓRICO DO FEITO INESQUECÍVEL DE FABIO DE MELLO
Imperatriz 1992 – Enredo “Não existe pecado abaixo do Equador” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Navegantes”.
Representava os navegantes da época dos Descobrimentos.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1993 – Enredo “Marquês que é marquês, do sassarico é freguês” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia:“Mascarados de Veneza”
Representava figuras tradicionais do Carnaval Europeu, de onde se origina a nossa folia, com as máscaras e capas inspiradas na ‘Comédia Dell’Arte’. Neste ano Suzana Trindade assina a autoria do projeto junto a Fabio de Mello.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1994 – Enredo “Catarina de Médici na Corte dos Tupinambôs e Tabajères” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Dançarino da Corte”
Representava os reis e nobres que não só assistiam aos espetáculos da renascença como faziam aparições em números coreografados. A coreografia era trabalhada com leques de 70 centímetros de comprimento, de um lado verde, do outro, dourado, o que possibilitou grandes efeitos na avenida.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1995 – Enredo “Mais vale um jegue que me carregue, que um camelo que me derrube lá no Ceará” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Expedição Científica”
Representava a expedição que explorou o interior do Nordeste brasileiro como contava o enredo. O traje era inspirado no material do artesanato nordestino com rendas, retalhos
e aplicações de bordados. Sombrinhas com cabos que mediam 3 metros compunham o visual que homenageava o frevo e era de tirar o folego.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1996 – Enredo “Imperatriz Leopoldinense honrosamente apresenta: ‘Leopoldina, a Imperatriz do Brasil” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Nobres Austríacos”
Representava a Corte Austríaca em metamorfose com às araras brasileiras, os componentes tocavam violinos.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1997 – Enredo “Eu sou da lira não posso negar” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Figura de Carnaval, um alegoria ao carnaval e a música de Chiquinha Gonzaga”
Faziam homenagem ao instrumento musical preferido por Chiquinha Gonzaga, a protagonista do enredo. A Comissão apresentou-se com grandes capas que, quando erguidas, formavam círculos com um teclado de piano.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1998 – Enredo “Quase no ano 2000” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “O sonho de Ícaro”
Faziam alusão ao personagem da mitologia grega, que tentou voar com asas de cera.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 1999 – Enredo “Brasil mostra sua cara em… Theatrum Rerum Naturalium Brasilae” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Nobreza holandesa”
Representava os nobres holandeses na época do Brasil Colonia.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 2000 – Enredo “Quem descobriu o Brasil, foi seu Cabral, no dia 22 de abril, dois meses depois do Carnaval” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Uma ópera brasileira em três atos”
Em três encenações ilustravam os mistérios do mar (monstros marinhos), os nativos da terra (índios) e a Nau da descoberta.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 2001 – Enredo “Cana-caiana, cana roxa, cana fita, cana preta, amarela, Pernambuco… Quero vê desce o suco, na pancada do ganzá!” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Cristãos e Mouros”
Representam a luta entre cristãos e mouros no folclore brasileiro, desta vez Fabio de Mello fez uma integração com o carro Abre-Alas”
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 2002 – Enredo “Goytacazes… Tupi or not tupi, in a south american way!” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Bicho Papão”
Representavam o grande comedor de gente, também chamado de Cuca, no enredo sobre antropofagia.
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 2003 – Enredo “Nem todo pirata tem a perna de pau, o olho de vidro e a cara de mau...” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Piratas”
Grupo de 15 componentes vestidos de piratas. A coreográfica servia de introdução ao Enredo e também à apresentação da Escola. Seria a primeira vez em 11 carnavais que Fabio de Mello receberia uma nota diferente da máxima.
Pontuação: 10 – 10 – 10 – 9,5
Imperatriz 2004 – Enredo “Breazail” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Bruxas”
Desta vez 15 homens vestidos de bruxas dançavam em ritual a celebração da descoberta do Corante Vermelho. Destaque para o belo figurino verde de Rosa Magalhães que ajudou no efeito sensacional da vibrante coreografia.
Pontuação: 10 – 10 – 10 – 9,9
Imperatriz 2005 – Enredo “Uma delirante confusão fabulística” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Cisnes”
Representava a alma do artista Hans C. Andersen. Pobre, feio e pouco instruído,
depois de muito trabalho e estudo, se transforma num grande escritor, conhecido
mundialmente. O clássico ‘O Lago dos Cisnes’ era lebrado em alguns momentos da coreografia
Pontuação: 10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0
Imperatriz 2006 – Enredo “Um por todos e todos por um” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Mosqueteiros”
Proposta ousada e criativa de coreografia para impactar a Sapucaí. Mesmo resistindo a nova tendencia, Fabio de Mello pela primeira vez utilizaria um tipo de recurso cenotécnico. O trabalho se inspirava nos filmes épicos para contar a história de Garibaldi.
Após eletrizante sequencia de bons resultados, neste ano Fabio pela primeira vez não receberia nenhuma nota máxima na apuração. Como um todo, a Imperatriz não veio bem. Após 17 anos, ficaria pela primeira vez fora dos desfiles das campeãs devido a nona colocação. Seria o prenuncio do fim de uma hegemonia absoluta nos anos anteriores.
Pontuação: 9,9 – 9,9 – 9,9 – 9,8
Imperatriz 2007 – Enredo “Teresinhaaa, uhuhuuu!!! Vocês querem bacalhau?” de Rosa Magalhães.
Nome da fantasia: “Cod Morua”
Partindo de uma formação que retrata a silhueta de um peixe a partir de 15 seres marinhos (meio peixes – meio homens, seres fantásticos como em mitologia), os componentes formavam um cardume que deslizava sinuosamente (trabalhado a partir dos movimentos dos esquiadores de neve), Fabio procurava manter o estilo desenvolvido há 15 anos na Comissão de Frente da Imperatriz, mergulhando nas águas do fascinante mundo marinho da Noruega com encenação narrativa com seres anfíbios que abrem caminho para a passagem da Escola.
Pontuação: 10 – 10 – 10 – 9,8
O carnaval de 2007 sacramentaria de vez o fim de uma parceria Pentacampeã ao lado de Rosa Magalhães na Imperatriz Leopoldinense. No ano seguinte Fabio de Mello se transfere para a Mocidade Independente de Padre Miguel.
O coreografo retornaria a Imperatriz em 2015, onde consegue o estandarte de ouro com a Comissão de Axé Nkenda, desenvolvido por Cahe Rodrigues.
Afastado do carnaval há cinco anos, para ele as comissões de frente se perderam nas suas funções históricas e passaram a fazer reedições de outros espetáculos internacionais, deixando de lado a personalidade dos desfiles de escola de samba.
“Eu prefiro ficar vendo pela televisão do que copiar os outros, do Youtube, de Las Vegas“, declarou em recente entrevista.
Além da Imperatriz e Mocidade, Fabio de Mello teve passagens por Beija-Flor, Viradouro, Estácio de Sá, Rocinha, Inocentes, e outras agremiações de São paulo.
Em 2010 com o sucesso da Comissão de Frente da Unidos da Tijuca, surge uma nova revolução, a dos imensos tripés, muitas das vezes quase alegorias, usados para esconder as idéias e ferramentas de efeitos especiais e truques de mágicas.
Fabio de Mello não gostava de usar bailarinos profissionais para não perder a essência da proposta no samba. Artistas como ele possuem história e requinte suficientes para optar ou não por fazer parte do novo caminho trilhado pelo segmento, que cada vez mais se distancia da proposta dos velhos tempos, com os Senhores e Senhoras carregados de raiz e representatividade no samba, os simpáticos baluartes.
“Fabio de Mello foi pioneiro, inovador e encantador em todas as comissões que apresentou”, disse certa vez, Wigder Frota, fotógrafo com décadas de avenida, e autor das fotos foram usadas para ilustrar esta matéria.
Por Waldir Tavares