Marie Louise nasceu em Berna, na Suíça, no dia 31 de maio de 1924. Estudou na Escola Técnica de Ofícios (Gewerbeschule) e na Escola de Artes Utilitárias (Kunstgewerbeschule). Casou-se com Dirceu da Câmara Nery, cenógrafo e aderecista pernambucano, com quem formou uma dupla de reconhecido talento.
Em junho de 1957 veio para o Brasil, e logo começou a participar ativamente da vida artística e cultural do Rio de Janeiro. Inicialmente, em 1958, ao participar da comissão julgadora dos desfiles. Em 1959, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro deu início a uma das primeiras revoluções estéticas do carnaval carioca, ao convidar o casal para criar o enredo sobre Jean Baptiste Debret, pintor e desenhista francês, membro da Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil em 1816. O resultado foi um belo desfile que surpreendeu todos que o assistiram. Depois de alguns anos consecutivos sem sair do quarto lugar, no carnaval de 1959, a escola conquistou o segundo, demonstrando dessa forma a aceitação, por parte dos jurados.
Em 1960, o casal ao lado de Fernando Pamplona, convidado por Nelson de Andrade, presidente do Salgueiro na ocasião, desenvolveria o enredo que contava a história do “Quilombo dos Palmares“. Inovando os desfiles de enredos, até então, patrióticos e nacionalistas, coloriu a Avenida de vermelho e brando, nos traços, volumes e formas da África, ao narrar a história da escravidão do negro africano.
Em 1968 voltaria a criar fantasias para o enredo “Dona Beija, a Feiticeira do Araxá“, para o desfile carnavalesco de também no Salgueiro, o enredo lhe permitiu um vôo maior pelo imaginário, além das formas predeterminadas e específicas da indumentária de uma época histórica. Fato importante que deve ser lembrado é que naqueles primeiros anos de renovação estética não existia um lugar específico, um barracão, para os artesãos trabalharem e Marie. Louise subia o morro, se deslocando de casa em casa, visitando as costureiras, para lhes ensinar a modelagem e o corte dos seus “riscos”, conforme eram chamados os desenhos das fantasias. Esse trabalho, que na época não era remunerado, futuramente, lhe conferiu o título de “Primeira Mulher Carnavalesca” e, de 1959 a 1968 criou as fantasias para o Salgueiro e Portela, quase que alternadamente.
Ao lado de Dirceu, criou cenários, figurinos e adereços para peças infantis de autoria de Maria Clara Machado, encenadas pelo grupo amador O Tablado: O Cavalinho Azul (1960/1966), A Menina e o Vento (1963) e A Volta do Camaleão Alface (1965), entre outras. O Tablado tornou-se uma referência e uma espécie de cartão de visitas do casal, enfim, um trampolim para o teatro profissional.
O Teatro da Praça, o Teatro do Rio e o Teatro dos Sete foram alguns dos grupos e das companhias contempladas com a imaginação e a criatividade da artista plástica. Seus figurinos agradaram aos críticos que, em 1964, assistiram a Mirandolina, de Carlo Goldoni, produção do Teatro dos Sete, com direção e cenários de Gianni Ratto e elenco constituído por Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Ítalo Rossi e Yolanda Cardoso.
Como figurinista, aderecista e cenógrafa assinou diversos espetáculos de teatro, ópera e balé, entre os quais destacam-se Todomundo, Moralidade Inglesa, de autor anônimo, direção de Bárbara Heliodora (1959); Os Ciúmes de um Pedestre ou O Terrível Capitão do Mato, de Martins Pena, e O Velho Ciumento, de Miguel de Cervantes, tradução livre de Millôr Fernandes, ambos dirigidos por Gianni Ratto (1961); a ópera Il Dibuk, de Lodovico Rocca, também sob a direção de Gianni; Chiquinha Gonzaga, de Elza Osborne e Carlos Paiva, direção de Pernambuco de Oliveira (1974); Meu Reino por um Cavalo, de Dias Gomes, direção de Antonio Mercado (1989); e O Sorriso ao Pé da Escada, de Henry Miller, adaptação de Sidney Cruz e direção de Mônica Alvarenga (1996).
Em 1964, ingressou como professora no Conservatório Nacional de Teatro, atual Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde lecionou Artes Plásticas e Indumentária. Ministrou aulas de adereços e indumentária, em 1978, no Curso de Especialização em Direção Teatral da Universidade Federal da Paraíba (UFBP). Foi professora-assistente da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No cinema, realizou figurinos para os filmes Os Selvagens (1964), de Franz Eichhorn e Eugenio Martín; As Duas Faces da Moeda, de Domingos de Oliveira (1969); e Le Grabuge, direção de Édouard Luntz (1968). Fez os cenários de A Dança das Bruxas, de Francisco Dreux (1970). No filme Edu, Coração de Ouro (1968), de Domingos de Oliveira, aparece em uma das cenas.
Produziu aproximadamente 150 bonecos para o projeto do programa “Sítio do Pica-Pau Amarelo” (1977-1986), coprodução da TV Educativa e da TV Globo. Em 1962 e 1963, participou de exposições no Museu de Arte Moderna de Belo Horizonte com trabalhos de pintura e tapeçaria e, no ano de 1994, apresentou máscaras afro-brasileiras no Galpão das Artes do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Ilustrou livros infantis de autores como Maria Clara Machado, Vinicius de Moraes, Lygia Bojunga Nunes, Manuel Bandeira e Cecília Meireles.
Recebeu prêmios, como melhor figurinista, do Círculo Independente de Críticos Teatrais (CICT), em 1961 e 1964, da Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT), em 1961 e da VII Bienal de Teatro em São Paulo (1963). Conquistou ainda os Prêmios Saci (1962) e Molière (1964). No Carnaval de 2003, o Salgueiro trouxe para a avenida seus 50 anos de história e Marie Louise Nery, uma das personalidades homenageadas, desfilou em carro alegórico. No mesmo ano publicou, pela editora Senac “A Evolução da Indumentária: Subsídios para Criação de Figurino”, importante livro de referência para pesquisadores e estudantes de Teatro.
Os desenhos dos figurinos criados por Marie Louise Nery, ao longo de sua trajetória como prestigiada profissional, integram parte do acervo do Projeto Brasil Memória das Artes. São documentos que ilustram um importante período do Teatro Brasileiro e que podem ser apreciados nesta exclusiva galeria.
Marie Louise faleceu hoje, 11 de Maio de 2020, possivelmente de causas naturais.
Por Waldir Tavares / Fonte Leila Bastos Sette_Doutora em Artes Cênicas, formada através do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC, do Centro de Letras e Artes