Hoje, Jorge Lafond faria 68 anos. Nascido Jorge Luiz, adotou o nome artístico em homenagem à atriz Monique Lafond, que prontamente autorizou o humorista a utilizar seu sobrenome.
Muitos o conhecem apenas pelo bordão “ÊÊÊÊPA! Bicha, não!”, dito por sua personagem Vera Verão do humorístico “A Praça é Nossa”, do SBT, onde permaneceu por 10 anos.
Muito além disso, Jorge Lafond construiu uma carreira sólida como ator, comediante, dançarino e drag queen brasileiro, excursionando toda a Europa e Estados Unidos com o grupo folclórico de Haroldo Costa.
Seu primeiro emprego foi em uma oficina mecânica, onde ia três vezes por semana – mas não entendia nada de automóveis. Estudando balé desde os nove anos de idade, quando começou no Teatro Municipal do Rio, passou a dar aulas de dança em academias do subúrbio carioca e começou três faculdades diferentes, se formando em História. Chegou, inclusive, a ser professor em um colégio público na Vila da Penha.
Antes de Vera Verão, o artista trabalhou com Mercedes Batista, a primeira bailarina negra do Theatro Municipal. Fez parte do balé do Fantástico, participou dos humorísticos “Viva o Gordo”, com Jô Soares, “Os Trapalhões”, e atuou nas novelas “Sassaricando” e “Kananga do Japão”, na qual interpretou a inesquecível Madame Satã.
Porém, foi em A Praça É Nossa que Lafond começou a se destacar e fazer sucesso com o público em geral. Tudo graças a uma personagem: Vera Verão. O quadro marcou época e segue tendo milhões de visualizações em vídeos que o relembram até os dias de hoje em redes sociais. A história era sempre a mesma (como é costume das esquetes do programa): Carlos Alberto de Nóbrega, ou Charles Albert, como dizia Lafond em cena, conversava com alguns personagens, até que aparecia Vera Verão, sempre com maquiagem carregada e roupas espalhafatosas. Após uma bem-humorada discussão, vinha o ponto alto: lhe chamavam de “bicha”, de forma ofensiva, e a resposta vinha com o clássico bordão: “Êêêpa! Bicha não!”.
Sempre a frente de sua época, muitos anos depois de sua infância, em 1992, Lafond foi ao Clodovil Abre o Jogo, na TV Manchete, e reagiu à altura às alfinetadas do apresentador. No dia do programa, a produção alegou “problemas com a gravação” e a impossibilidade do material ir ao ar.
Com o tempo, Lafond acabou se sacramentando como um dos grandes nomes do humor no País.
Muito querido no meio, Lafond também tinha seus desafetos, entre eles o também falecido apresentador Clodovil Hernandes. “Eu admirei Clodovil até o dia em que fui fazer Clodovil Abre o Jogo. A entrevista foi ironia atrás de ironia. Depois recebi um bilhete do diretor, junto com flores que não acabavam mais: ‘Jorge Lafond, infelizmente sua entrevista não pôde ir ao ar por problemas técnicos’. Foi a bicha que tentou me arrasar, mas comigo não deu! Foi pau a pau! Ela fez aquela linha de quem não é bicha, mas eu já sou a bicha mesmo, e f*** tudo!”. declarou em entrevista.
O carnaval também era uma das paixões de Lafond. Um de seus momentos marcantes foi em 1990, como destaque da Beija-Flor, que trazia o enredo Todo Mundo Nasceu Nu, quando, em cima de um vulcão, sambou praticamente sem roupa alguma pela avenida.
Em seus últimos carnavais, desfilou pela Imperatriz Leopoldinense no Rio e a Unidos de São Lucas em São Paulo, quando a escola teve o enredo Humor, Humoral, Humorizado: Nóbrega e os Filhos do Riso.
Em 2000, Lafond definiu a si mesmo: “Um negro homossexual, pobre, que veio do subúrbio do Rio de Janeiro, da Vila da Penha, e que hoje, graças a Deus, conseguiu esse estrelato que, pra mim, é uma coisa legal. Consegui realizar todos os objetivos que tinha na vida”.
Jorge Lafond se tornou um exemplo de representatividade e rompeu barreiras. Como todas as barreiras em que precisou ultrapassar, estudou balé clássico, dança contemporânea africana e calava as vozes de quem ousava dizer que lhe faltava talento. Bicha, não! Artista! Salve, Lafond!
Com problemas cardíacos, Lafond, aos 50 anos, em 28 de dezembro de 2002, foi vítima de parada cardiorrespiratória e acabou internado no Hospital Sepaco, na Vila Mariana, zona sul da cidade de São Paulo. Sofreu complicações renais e chegou a fazer diálise. Seu fim deu-se com um fulminante infarto e posterior falência de múltiplos órgãos no dia 11 de janeiro de 2003, à 1h40 da manhã.
O enterro do humorista chamou atenção pelas milhares de pessoas que foram ao cemitério do Irajá, no Rio de Janeiro.
Por Waldir Tavares